Audiência dá início ao Programa de Acessibilidade e Inclusão de Deficientes no interior de São Paulo
Campinas - Com o objetivo de derrubar as barreiras que dificultam o acesso de pessoas com deficiência (PCD) e reabilitados ao mercado de trabalho, o Ministério Público do Trabalho em Campinas realizou, na última terça-feira (31), uma audiência coletiva com representantes de órgãos públicos, instituições especializadas na inclusão de PCDs e cinquenta empresas do interior de São Paulo.
O encontro, traduzido em tempo real para linguagem Libras, deu início à implementação, no interior de São Paulo, do Projeto Acessibilidade e Inclusão no Trabalho de Pessoas com Deficiência e Beneficiários Reabilitados, criado pela Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação do Trabalho (Coordigualdade). A coordenadora nacional da Coordigualdade, Valdirene Silva de Assis, foi uma das participantes da audiência.
“A acessibilidade é o direito que garante à pessoa com deficiência e reabilitados de viver de forma independente e exercer os seus direitos de cidadania e de participação social. Todas as barreiras que a lei brasileira de inclusão nomeia devem ser mitigadas, eliminadas, o tanto mais que a nossa sociedade conseguir fazê-lo”, disse a coordenadora, durante a sua apresentação.
A procuradora e coordenadora regional da Coordigualdade, Danielle Masseran, é quem encabeça a atuação do MPT para mudar os paradigmas existentes em torno da inclusão de PCDs no mercado de trabalho. Para ela, não há como as empresas cumprirem verdadeiramente a cota legal, imposta pela Lei Federal nº 8.213/91, se não houver uma drástica mudança de consciência dos empregadores no que se refere à capacidade profissional dos deficientes e reabilitados, bem como à eliminação das barreiras físicas e psicológicas que são impostas no meio social.
“A partir dessa nova visão que traz a lei brasileira de inclusão, a partir desse novo paradigma, uma vez compreendido e uma vez implementado dentro das empresas, com certeza os senhores conseguirão cumprir essa cota legal. Isso é um caminho a trilhar que estamos começando hoje. Existem muitos órgãos governamentais e não governamentais trabalhando em prol dessa nova realidade. As empresas não estão sozinhas. Os senhores têm onde procurar pessoas capacitadas e especializadas para auxiliá-los nesse grande mister que é a inclusão das pessoas com deficiência”, afirmou.
Abrindo a audiência coletiva, a procuradora-chefe do MPT Campinas, Maria Stela Guimarães De Martin, creditou como prioridade institucional o fim de qualquer discriminação ao trabalhador deficiente ou reabilitado, que passa, necessariamente, pelo atendimento irrestrito aos critérios de acessibilidade. “Essa ação inclusiva é muito importante porque representa uma meta do MPT que está de acordo com a Agenda da ONU, que visa acabar com essa desigualdade até o ano de 2030, principalmente aquelas que atingem as pessoas com deficiência, as mulheres e os negros”, ponderou.
A primeira exposição da audiência, de responsabilidade da coordenadora nacional da Coordigualdade, foi elucidativa a respeito daquilo que a sociedade organizada pode fazer para incluir as pessoas com deficiência no mercado laboral. A questão perpassa por barreiras arquitetônicas, impeditivas ao deslocamento do indivíduo para o local de trabalho, e por barreiras sociais, estas que lançam descrença na capacidade profissional da PCD ou reabilitada. De qualquer forma, as partes devem buscar uma mudança. Segundo Valdirene, o projeto nacional do MPT detectou que sem acessibilidade não há inclusão.
“Os impedimentos têm uma interação com algumas barreiras, que estão num plano físico (as barreiras arquitetônicas), e num plano interpessoal. A mudança está relacionada com a forma como se interpreta a limitação da pessoa com deficiência, especialmente na interação. É nessa interação que a limitação se perfaz. Tudo o que se puder fazer para mitigar as barreiras vai se traduzir na promoção da igualdade de condições para essas pessoas. Tanto maior a condição de acessibilidade que se puder oferecer, tanto menor é o impacto que os impedimentos possam trazer na sua esfera de direitos pessoais”, observou.
Valdirene finalizou sua exposição citando a Carta Constitucional que garante a igualdade de oportunidades, as Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil que proíbem qualquer forma de discriminação às PCDs, pela lei que faz a reserva de vagas e pelos tipos penais que proíbem qualquer tipo de ato resultante de prejuízos às oportunidades de emprego e à ascensão profissional.
A gerente regional do Trabalho em Campinas, Liliane Marinho Carraro, alertou os empregadores da sua obrigação no cumprimento da cota legal, mas balizou sua apresentação, principalmente, nos programas de mobilização social do Ministério do Trabalho que contribuem para a inclusão e capacitação de PCDs, com destaque para a participação do órgão no Dia D, realizado em conjunto com o CPAT. Segundo ela, apesar do aumento no número de vagas de trabalho, as empresas ainda estão contratando pouco. “As pessoas com deficiência empregadas atingem apenas 1% da população do país. Os aumentos observados representam apenas pessoas com deficiência intelectual. O dado é interessante. Parece que as empresas escolhem aquele trabalhador com base na sua deficiência. Isso é uma forma de discriminação”, lamentou.
Acessibilidade e capacitação – A secretária municipal da Secretaria da Pessoa com Deficiência e Cidadania de Campinas, Eliane Jocelaine Pereira, falou sobre o programa empreendido pelo município desde 2013 que culminou na criação do Centro de Referência da Pessoa com Deficiência, um espaço que conta com profissionais especializados na capacitação de PCDs, na sensibilização de gestores de empresas e na elaboração de projetos de acessibilidade, inclusive para eliminar barreiras arquitetônicas. “Oferecemos ferramentas para melhor qualificar a intencionalidade de acolher essas pessoas dentro das empresas, seja recorrendo a entidades parceiras, seja recorrendo ao município como uma esfera possível para orientar nas diversas possibilidades de inclusão. Nossa função é de também orientar as empresas para que se tornem acessíveis, e de sensibilizar para que a PCD seja integrada e incluída no seu ambiente de trabalho a partir de várias ações”, disse.
Segundo a secretária, atualmente existem cerca de 305 mil pessoas com deficiência em Campinas, “quase o tamanho da cidade de Americana”, o que traz uma responsabilidade ainda maior para o município e para as empresas na busca por inclusão. Em 2017, o Centro de Referência efetuou 1.693 atendimentos.
A representante do Centro Público de Apoio ao Trabalhador (CPAT) de Campinas, Silvia Garcia, pontuou sobre as ações resultantes do Dia D, realizado em conjunto com outras instituições, que traz oportunidades de empregabilidade à pessoa com deficiência. Para ela, apesar da crescente criação de vagas de trabalho para este público, boa parte dos empregadores ainda deixa de contratar por entraves decorrentes da falta de acessibilidade, sendo este um dos pontos mais críticos envolvendo a questão, além do elevado nível de exigências quanto à qualificação, experiência profissional e escolaridade, e a realização de várias etapas de seleção, o que dificulta a participação da PCD. “A falta de adaptação do ambiente de trabalho para recepcionar a pessoa com deficiência leva a empresa a escolher o tipo de deficiência que se adapte ao ambiente laboral, e não o inverso. A deficiência está no ambiente e não na pessoa”, lamentou.
Segundo os dados do CPAT, o aproveitamento das vagas colocadas à disposição é baixo quando se trata de pessoas com deficiência, mas as estatísticas estão em crescimento: em 2015, o aproveitamento foi de 5%. Esse número cresceu para 13,1% em 2016 e atingiu o patamar de 23,1% em 2017. A maioria das PCDs colocadas no mercado campineiro (51%) possuem deficiência física, seguido de deficiência auditiva (18%) e deficiência visual (15,2%).
O representante do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São Paulo, Helvécio Siqueira de Oliveira, apresentou o Programa de Inclusão de Ações do Senai SP em prol da inclusão de pessoas com deficiência, com foco na unidade de Itu, e mostrou que é possível os empresários participarem de políticas de inclusão a partir do oferecimento de capacitações e adaptações de ambientes laborais e maquinários. A ideia proposta pelo Senai é oferecer inclusão pela identificação dos processos de trabalho, adaptação do meio e sensibilização de colaboradores para atuação com PCDs.
O palestrante Victor Mammana, do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), falou sobre as possibilidades de inclusão através da tecnologia assistiva. Ele é um dos representantes do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva, oficializado há cinco anos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para trabalhar em pesquisas que facilitem a vida das pessoas com deficiência. Entre os produtos já criados pelos pesquisadores estão uma lousa digital que usa uma caneta que transforma vibração em movimento, um leitor de tela que traduz imagens, um projeto que ajuda pessoas com redução de mobilidade a usar tablets e computadores por ruídos ou piscar de olhos e um programa que lê movimentos de membros e expressões faciais para a criação de banco de dados Libras. O CTI demonstrou às empresas que é possível adotar medidas que propiciem uma maior inclusão no ambiente de trabalho.
Por fim, representantes da FEAC e do Instituto Sorrir se disponibilizaram a ajudar as empresas na inclusão por meio da acessibilidade e capacitação de pessoas com deficiência.
Reabilitados – A representante do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Denilse Basso, discorreu sobre a importância de oferecer a trabalhadores reabilitados condições de retorno ao trabalho por meio da adaptação do ambiente laboral ou pela readaptação em novas funções. Segundo a médica perita, o INSS avalia a capacidade restante dos trabalhadores após as lesões baseado na sua experiência, idade, escolaridade e nas possibilidades oferecidas pelas empresas, por isso a relevância do atendimento a critérios de acessibilidade.
“Caso a empresa não ofereça uma função compatível, o INSS tem uma segunda via de ação, baseada na questão da escolaridade. Nosso programa de reabilitação de segurados sugere a realização de cursos de qualificação para que essa pessoa volte dentro de uma atividade certificada”, sugeriu.
Cenário – Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no Brasil 45,6 milhões de pessoas com deficiência, 23,9% da população total do país. O estudo aponta que 53,8% dos deficientes em idade ativa foram declarados fora do mercado de trabalho. Os índices de indivíduos empregados revelados ainda são baixos, correspondendo a apenas 1% da população de deficientes do país e apresentando aumento apenas nos registros de pessoas com deficiência intelectual.