Trabalhador que dormia em galinheiro será indenizado em ação do MPT
Decisão de segunda instância confirma sentença que impõe pagamento de verbas rescisórias de quase 10 anos de prestação de serviços e indenizações individuais e coletivas
Campinas (SP) - O Ministério Público do Trabalho (MPT) obteve a condenação em segunda instância de um empregador que submeteu seu empregado a condições análogas à escravidão na cidade de Itapirapuã Paulista (SP) durante quase uma década, mantendo-o dormindo em um paiol utilizado como galinheiro. Ele terá que pagar R$ 100 mil de indenização a título de danos morais coletivos e individuais.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) manteve a sentença proferida pela Vara do Trabalho de Capão Bonito em agosto de 2024, mas ampliando a condenação para todo período de vínculo reconhecido, que vai de setembro de 2015 a setembro de 2023.
Com isso, o réu deve pagar todos os benefícios trabalhistas (salários, aviso prévio, 13º salário, férias, FGTS, etc), de todo o período reconhecido, além de pagar R$ 50 mil diretamente para o trabalhador (dano moral individual) e R$ 50 mil para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (dano moral coletivo). Cabe recuso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A ação civil pública foi ajuizada pelo procurador Edson Beas Rodrigues Júnior, do MPT em Sorocaba, após uma operação realizada em setembro de 2023 que culminou no resgate do trabalhador. Participaram da inspeção o MPT, o Ministério do Trabalho e Emprego e a Polícia Rodoviária Federal.
Flagrante - O senhor de mais de 50 anos, que trabalhava em uma pequena roça de cultivo de milho e feijão há cerca de dez anos, morava em um paiol feito de madeira, também utilizado como galinheiro. Em todo esse tempo de trabalho, ele foi mantido na informalidade, sem registro em carteira de trabalho, e nunca recebeu qualquer remuneração ou direito a férias. O ruralista trabalhava em troca de comida e moradia.
Dentro do paiol, ele dormia em um colchão velho e sujo, no chão, junto com os equipamentos e maquinários de trabalho, inclusive embalagens de agrotóxicos e produtos químicos. As galinhas transitavam dentro do quarto e sobre a cama do trabalhador. Havia uma criação de porcos ao lado, e para evitar que os animais se alimentassem dos pintinhos, o obreiro tinha que manter as galinhas trancadas dentro do seu quarto, para protegê-las. Por isso, o ambiente estava cheio de fezes de animais, em absoluta falta de higiene. Não eram disponibilizados armários para a guarda de roupas, e elas ficavam espalhadas pelo recinto.
Por se tratar de um paiol feito de madeira, havia um distanciamento entre uma tábua e outra, possibilitando a entrada de frio e chuva no local, além de animais peçonhentos, como cobras e ratos, atraídos pelo feijão e pelo milho produzidos no sítio.
No local não havia banheiro; o trabalhador era obrigado a utilizar a instalação sanitária da casa do seu empregador, o dono da pequena propriedade. Não lhe foram disponibilizados equipamentos de proteção individual ou capacitação para as atividades que realizava na roça; algumas delas ofereciam risco e alto grau de insalubridade, por exemplo, a limpeza de duas fossas sépticas próximas ao paiol. A única vestimenta que foi dada ao trabalhador pelo empregador foi uma bota de borracha.
O trabalhador mostrou-se visivelmente com medo do empregador, alegando que era agredido fisicamente por ele, que o forçava a trabalhar. No passado, durante uma briga entre o a vítima e o irmão do empregador, o proprietário da terra desferiu um golpe com facão no antebraço esquerdo do trabalhador.
“É possível verificar que a situação em questão resulta de uma grave exclusão social pela qual foi submetido o trabalhador resgatado durante anos. Apesar de ter mais de 50 anos de idade, ele não possui sequer um documento de identidade, seja RG ou CPF. A certidão de nascimento é a única prova documental da sua existência como ser humano. A situação mostra uma dura realidade, em que os órgãos de defesa do trabalho decente devem agir com o máximo de rigor e eficiência”, pontou, na época do resgate, o coordenador regional da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento do Tráfico de Pessoas), Marcus Vinícius Gonçalves.
Os auditores fiscais do trabalho efetuaram o resgate de condições análogas à escravidão, possibilitando que o trabalhador recebesse o seguro-desemprego. A vítima foi assistida para tirar seus documentos e, assim, conseguir o recebimento do benefício. A caracterização se deu pelas condições degradantes de trabalho, pela jornada exaustiva e pelo trabalho forçado. Na época, o empregador afirmou não possuir condições financeiras para indenizar o resgatado, obrigando o MPT a ingressar com ação civil pública para pleitear judicialmente esses direitos.