Subsidiária da chilena Andina é condenada por dumping social

Engarrafadora e distribuidora de produtos Coca-Cola mantém funcionários em jornadas de trabalho que ultrapassam as 14 horas por dia, negligenciando direitos trabalhistas básicos e contribuindo para uma concorrência desleal

 

Araraquara - A Rio de Janeiro Refrescos Ltda. – subsidiária da multinacional chilena Andina, que controla parte do mercado de engarrafamento da Coca-Cola no Brasil - foi condenada pela 3ª Vara do Trabalho de Araraquara ao pagamento de R$ 1 milhão pela prática de dumping social, caracterizada pela supressão de direitos trabalhistas em larga escala como forma de vencer deslealmente a concorrência. A sentença determina a regularização imediata da jornada de trabalho dos entregadores da empresa (motoristas de caminhão e seus ajudantes), sob pena de multa de R$ 1.000,00 por dia para cada infração cometida, multiplicada pelo número de trabalhadores prejudicados. O Ministério Público do Trabalho é o autor da ação civil pública.

A decisão proferida pela juíza Mônica Rodrigues Carvalho Rossi obriga a Rio de Janeiro Refrescos Ltda. às seguintes obrigações: efetuar o controle de jornada de trabalho; conceder intervalo mínimo de 11 horas entre duas jornadas; conceder intervalo intrajornada, para descanso e alimentação, de uma hora, no mínimo; encerrar a remuneração por produção (com base na distância percorrida, tempo de viagem ou quantidade de produtos transportados); não exigir o cumprimento de horas extras habituais; não prorrogar jornada de trabalho por mais de duas horas, exceto de houver previsão em acordo coletivo que permita até 4 horas; não exigir “quantidade de serviço incompatível” com a jornada do trabalhador; e, por fim, pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão pela prática de dumping social, em favor de projetos, iniciativas e campanhas que beneficiem a coletividade de trabalhadores dos municípios envolvidos, com indicação do MPT.

O Ministério Público, na pessoa do procurador Rafael de Araújo Gomes, impetrou recurso ordinário pedindo a reforma de dois pontos da sentença: que o número de horas extras seja limitado a duas horas diárias, mesmo que haja norma coletiva autorizando 4 horas; e que a indenização por danos morais coletivos seja majorada para o equivalente a 10% do valor do faturamento bruto da empresa, especialmente pela prática de dumping social. O recurso será julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Também cabe recurso da decisão à empresa ré.

A Rio de Janeiro Refrescos, que possui operações nas cidades de Araraquara, Descalvado, Matão, Pirassununga, Porto Ferreira e São Carlos, foi investigada pelo MPT após provocação da própria Justiça do Trabalho de Araraquara, que julgou reclamações trabalhistas individuais contra a empresa. Nos autos ficou provado um esquema abusivo de jornada de trabalho.

Ao longo do inquérito do Ministério Público, o procurador juntou cartões de ponto, decisões judiciais e depoimentos de trabalhadores que apontaram para a reiterada prática de jornada de trabalho excessiva, de modo a impor aos entregadores de bebidas, em vários casos, um expediente superior a 14 horas por dia. Há relatos de empregados demandados para entrega de produtos em mais de 40 pontos em apenas um dia. A abusividade também acontece nos intervalos entre duas jornadas, pois dificilmente ultrapassam 8 horas (o intervalo mínimo deve ser de, no mínimo, 11 horas).

“Os trabalhadores da empresa praticamente vivem apenas para trabalhar e para dormir, e não poderiam dormir muito, considerando que nos curtos intervalos eles teriam que se deslocar à sua residência, comer, fazer a higiene, depois dormir e deslocar-se de volta para o trabalho”, explica Rafael de Araújo Gomes.   

A decisão da juíza concede a antecipação de tutela requerida pelo MPT, obrigando a ré a cumprir todas as obrigações de fazer impostas pela sentença de forma imediata, independente do trânsito em julgado, em decorrência da gravidade da situação, trazida pela abusividade na jornada de trabalho. “Tal procedimento demonstra que a requerida (Rio de Janeiro Refrescos) fez tábula rasa do ordenamento jurídico, atitude intolerável, que se deve reprimir, sob pena de estímulo a tais condutas”, escreveu a magistrada.

“Trata-se de um caso bastante grave de dumping social, quer dizer, de ofensa concorrencial criada através da supressão em massa de direitos trabalhistas e consequente redução abusiva de custos, que leva ao incremento do lucro”, finaliza Gomes, lembrando da modalidade do dumping reconhecida na sentença, tornando a aplicação analógica de um dispositivo da Lei nº 12.529/11. 

Processo nº 0010353-70.2015.5.15.0151

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