MPT destina mais R$ 2 milhões do “caso Shell” para projeto de pesquisa da USP

Objetivo do projeto é pesquisar a presença de benzeno e hidrocarboneto na indústria do petróleo e a seus malefícios à saúde do trabalhador; estudos serão empreendidos na Revap, refinaria em São José dos Campos

 

Campinas – O Ministério Público do Trabalho efetuou mais uma destinação do acordo firmado com as multinacionais Raízen Combustíveis S.A (antiga Shell) e Basf S.A, no conhecido caso de contaminação de trabalhadores no sítio das empresas em Paulínia (SP). A beneficiária será a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), que receberá R$ 2,093 milhões para um projeto de pesquisa que tem como objetivo investigar as consequências da exposição ao benzeno para a saúde do trabalhador. Além da USP, já receberam verba do acordo o Centro Infantil Boldrini, de Campinas, o Hospital do Câncer de Barretos, a Universidade Federal da Bahia/Fundacentro, a Fiocruz Rio de Janeiro e a Fiocruz Pernambuco. No total, foram destinados pouco mais de R$ 98 milhões de um total de R$ 200 milhões.

Na tarde dessa quarta-feira (16) foi assinado um termo de convênio entre as partes na sede do TRT, em Campinas, para formalizar a destinação, pelo qual a USP se comprometeu a apresentar relatórios que comprovem a aplicação da verba do acordo e a promover “integração e cooperação técnico-científica” no âmbito das atividades do MPT e da própria Universidade.  

O acordo com as empresas Shell-Basf, homologado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) em 2013, fixou a indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 200 milhões, a ser destinada para instituições indicadas pelo MPT, que atuem em áreas como pesquisa, prevenção e tratamento de pessoas vítimas de intoxicação decorrente de contaminação e/ou desastres ambientais. De todos os projetos remetidos ao Ministério Público, seis já foram escolhidos.

Benzeno – O projeto apresentado pela Faculdade de Saúde Pública da USP busca pesquisar a presença de produtos químicos, principalmente benzeno e hidrocarbonetos, na indústria da Destilação e Refinação de Petróleo e seus agravos à saúde do trabalhador. Os estudos serão conduzidos na REVAP, refinaria de petróleo localizada em São José dos Campos.

Por meio de uma metodologia composta de quatro etapas, o projeto objetiva o alcance dos seguintes resultados: estimar a exposição atual e a pregressa dos trabalhadores da refinaria (próprios e terceirizados) a solventes e outros produtos químicos; realizar avaliações hematológicas e de bioindicadores para estimar os efeitos adversos à saúde; realizar um estudo para estimar o risco de doenças graves relacionadas com o trabalho na refinaria; e realizar um levantamento ambiental no entorno da refinaria para avaliação do risco da população.

Se os estudos conduzidos na REVAP apresentarem um resultado satisfatório, poderá haver a expansão da pesquisa para outras três refinarias, segundo projeto protocolado pela USP, o que poderia culminar em novas destinações advindas do acordo Shell-Basf.

Outros projetos - o projeto apresentado pelo Boldrini no ano passado, com destinação inicial de R$ 19,362 milhões, prevê a realização de estudo epidemiológico que investigará o impacto do meio ambiente na incidência do câncer da criança e do adolescente. Para isso, está sendo construído, com a verba do acordo, um centro de pesquisa que dará suporte a este estudo e a outras pesquisas científicas aplicadas em câncer.

Orçado em R$ 69,965 milhões, o projeto do Hospital do Câncer de Barretos contempla pesquisa, prevenção, tratamento e educação em oncologia. A maior concentração do estudo ocorrerá nas populações do interior do estado de São Paulo, beneficiando mais de 3,6 milhões de pessoas residentes na localidade afetada pelo desastre provocado pela Shell. O projeto pretende construir uma unidade fixa em Campinas para a realização dos exames como mamografia digital e papanicolau, e tratamento do câncer de mama; outras quatro unidades móveis com mamógrafos, tomografia computadorizada e ressonância magnética para auxílio no diagnóstico precoce do câncer; e um Centro de Pesquisa em Prevenção do Câncer com laboratório para estudos celulares.

O projeto da Fiocruz Pernambuco, orçado em R$ 1,5 milhão, consiste em uma pesquisa para mapear a situação da saúde do trabalhador que faz uso de agrotóxicos nas cadeias produtivas e nos territórios de desenvolvimento do Estado de Pernambuco. O projeto fará estudos de neurotoxidade para limitar registro de agrotóxicos, estudo epidemiológico de gestantes e filhos de agricultores para identificação de danos neurológicos e saúde em geral e para desenvolver indicadores de carcinogênese em trabalhadores expostos. Ao final do projeto, os pesquisadores devem propor mudanças na disciplina de toxicologia com vistas ao diagnóstico, medidas de prevenção, controle e tratamento de intoxicação de trabalhadores.

O projeto da Fiocruz Rio de Janeiro, orçado em R$ 3,6 milhões, transporta a mesma metodologia utilizada em Pernambuco a estudos nas cidades de Rio Verde (GO) e Casimiro de Abreu (RJ). A escolha dos municípios deve-se ao fato dos trabalhadores dessas cidades terem sido alvo de contaminações por agrotóxicos, desencadeando efeitos graves sobre a sua saúde. O resultado dos estudos empreendidos pela Fundação Fiocruz poderá ser aplicado no diagnóstico, prevenção e combate ao uso de substâncias agrotóxicas em qualquer parte do território nacional.

A Universidade Federal da Bahia e a Fundacentro apresentaram um projeto orçado em R$ 1,510 milhão que tem como objetivo mapear a exposição ocupacional ao asbesto (mineral utilizado na produção de amianto) e seus efeitos sobre a saúde no Brasil. Para isso, os pesquisadores devem estimar o número de trabalhadores expostos à substância no país e elaborar uma matriz de exposição e uma base de dados nacional. A partir daí, serão levantados coeficientes de mortalidade e morbidade da população exposta e o mapeamento de serviços de saúde preparados para a investigação de agravos à saúde.

Futuras destinações - Outros projetos já estão sendo analisados por uma comissão formada por procuradores do trabalho e analistas processuais para futuras destinações. Segundo os termos da conciliação, o montante de R$ 200 milhões deve ser destinado no prazo de cinco anos, a contar da data de homologação do acordo (abril de 2013).

Sobre o caso Shell-Basf - Em 2013, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) homologou o maior acordo da história da Justiça do Trabalho, celebrado entre o Ministério Público do Trabalho e as empresas Raízen Combustíveis S/A (Shell) e Basf S/A. A conciliação encerrou a ação civil pública movida pelo MPT em Campinas no ano de 2007, depois de anos de investigações que apontaram a negligência das empresas na proteção de centenas de trabalhadores em uma fábrica de agrotóxicos no município de Paulínia (SP).

A Shell iniciou suas operações no bairro Recanto dos Pássaros na metade da década de 70. Em 2000, a fábrica foi vendida para a Basf, que a manteve ativada até o ano de 2002, quando houve interdição pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O processo, que possui centenas de milhares de páginas derivadas de documentos e laudos, prova que a exposição dos ex-empregados a contaminantes tem relação direta com doenças contraídas por eles anos após a prestação de serviços na planta. Desde o ajuizamento da ação, foram registrados mais de 60 óbitos de pessoas que trabalharam na fábrica.

Mais de mil pessoas se beneficiaram do acordo, já que ele abrange, além de ex-trabalhadores contratados diretamente pelas empresas, terceirizados e autônomos que prestaram serviços às multinacionais, e os filhos de todos eles, que nasceram durante ou após a execução do trabalho na planta.

Além da indenização por danos morais coletivos no importe de R$ 200 milhões, ficou garantido o pagamento de indenização por danos morais individuais, na porcentagem de 70% sobre o valor determinado pela sentença de primeiro grau do processo, o que totaliza R$ 83,5 milhões. O mesmo percentual de 70% foi utilizado para o cálculo do valor de indenização por dano material individual, totalizando R$ 87,3 milhões.

O acordo também garantiu o atendimento médico vitalício a 1058 vítimas habilitadas no acordo, além de pessoas que venham a comprovar a necessidade desse atendimento no futuro, dentro de termos acordados entre as partes.

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