Raízen deve pagar R$ 400 mil e encerrar salário por produção no corte de cana
Desembargadores reformam parcialmente sentença da primeira instância, determinando que a unidade da usina em Mirandópolis adote salário por tempo de trabalho como forma de proteção ao trabalhador
Campinas – A 3ª Turma de desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas, deu provimento ao recurso impetrado pelo Ministério Público do Trabalho, condenando a Raízen Bioenergia S/A (unidade MUNDIAL – Mirandópolis-SP) à não vinculação do salário de cortadores à quantidade de cana-de-açúcar colhida por eles, prática conhecida como “salário por produção”. O acórdão proferido nos autos de ação civil pública movida pelo MPT em Araçatuba determina que a maior empresa mundial do setor sucroalcooleiro deixe de remunerar os empregados por unidade de produção (tonelada cortada), tendo que adotar o sistema de pagamento salarial por tempo de trabalho, sob pena de multa diária de 1.000,00 por trabalhador atingido. Fica mantido o pagamento, pela ré, de indenização por danos morais coletivos no importe de R$ 400 mil ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Todos os itens da decisão devem ser cumpridos de forma imediata, independente do trânsito em julgado, haja vista a concessão de tutela antecipada pelos desembargadores. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho.
Outras obrigações impostas anteriormente por sentença da Vara do Trabalho de Andradina, relativas à proteção térmica dos trabalhadores, também foram mantidas pela segunda instância, quais sejam: elaborar avaliação de risco da atividade de corte manual de cana (considerando o risco físico e prevendo medidas para aclimatação térmica); monitorar a exposição dos cortadores ao calor (por meio do índice IBUTG, que congrega temperatura, umidade do ar e outros critérios técnicos); conceder pausas para descanso ou suspender as atividades de corte, caso o calor esteja muito intenso (com base a partir do valor 25 do índice IBUTG), e considerar essas pausas ou suspensões para evitar sobrecarga térmica como tempo de serviço prestado. O descumprimento gerará multa diária de R$ 1.000,00 por trabalhador atingido (o prazo para o cumprimento das medidas de proteção também é imediato). Na sessão de julgamento do recurso, a atuação da procuradora Renata Cristina Piaia Petrocino foi decisiva para o convencimento dos desembargadores em favor do provimento dos pedidos do Ministério Público.
Um dos temas trabalhistas mais discutidos por operadores do direito na última década, o salário por produção está intimamente ligado às condições de saúde e segurança do trabalho no corte manual de cana-de-açúcar. Em decorrência do baixo piso das diárias mínimas (ou até do não pagamento das diárias), os trabalhadores acabam por praticar um esforço subumano na busca por um ganho salarial mais compensador, o que pode resultar em casos de exaustão, doenças ocupacionais e até mortes. Nos últimos 15 anos foram registradas várias mortes no ambiente de trabalho, em meio à atividade de corte de cana. A causa dos óbitos, em geral, é provocada por infarto ou AVC (acidente vascular cerebral), intimamente associados à alta de pressão.
Com o objetivo de proteger a integridade dos trabalhadores, a procuradora Leda Regina Fontanezi Sousa, lotada no MPT em Araçatuba à época do ajuizamento, ingressou com a ação contra a Raízen após inquérito que constatou a precariedade no meio ambiente laboral na unidade da empresa em Mirandópolis, conhecida como MUNDIAL. Na petição inicial, o Ministério Público se apoiou em teses, estudos e casos concretos para demonstrar que os maiores prejuízos à saúde dos cortadores de cana advêm do salário por produção, dentre eles, a sobrecarga térmica.
Uma das teses faz analogia entre o corte de cana e a maratona, apontando que ambas geram praticamente o mesmo nível de desgaste físico. A pesquisa empreendida por acadêmicos da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), apresenta números que dão a dimensão do enorme esforço realizado pelos cortadores durante a jornada de apenas um dia: eles desferem uma média de 3.792 golpes com o podão, realizam 3.394 flexões de coluna e levantam cerca de 11,5 toneladas de cana.
Outras referências literárias e artigos técnicos também são citados na ação, os quais afirmam que quando a necessidade de regulação da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exercício da atividade de corte, especialmente no calor, já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área entre a pele e os músculos, deixando as demais com pouca oxigenação. A consequência pode ser fatal: infartos e acidentes cardiovasculares podem acontecer durante a “maratona”. Além disso, sintomas de fadiga, como tontura e vômitos, e cãibras pela desidratação, podem ser comuns.
Processo nº 0001892-11.2012.5.15.0056