Raízen é condenada em R$ 3 milhões por incluir trabalhadores em “lista suja”
Sentença proíbe empresa de discriminar mulheres, pessoas acima de 45 anos e trabalhadores que se afastaram por motivo de saúde ou moveram reclamação trabalhista
Bauru – A Raízen Energia S.A não pode discriminar trabalhadores que processaram a empresa e que tiveram problemas de saúde ou baixa produtividade em safras anteriores. A decisão é da Vara do Trabalho de Jaú e atende aos pedidos do Ministério Público do Trabalho em Bauru. A sentença também proíbe a companhia de discriminar mulheres e pessoas maiores de 45 anos na hora da contratação. Além das obrigações, a Raízen foi condenada ao pagamento de R$ 3 milhões por danos morais coletivos em favor do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
O procurador Marcus Vinícius Gonçalves ingressou com ação civil pública contra a empresa em 2014 por discriminação, após colecionar provas da elaboração de uma “lista suja” contendo os nomes de trabalhadores que deixariam de ser contratados por terem ingressado com reclamações trabalhistas ou por terem obtido baixo rendimento na safra, mesmo que por motivos de afastamento por saúde devidamente justificado.
Segundo os autos, a companhia contratava arregimentadores de mão de obra, os chamados “gatos”, e os obrigava a seguir as ordens discriminatórias, fornecendo, ao fim de cada safra, os nomes dos trabalhadores que não poderiam ser contratados na safra seguinte. Muitas vezes, a relação trazia mais de 5 mil nomes. A companhia emprega cerca de 9 mil trabalhadores, a cada safra, apenas na Usina Diamante, em Jaú (SP), base da investigação do MPT.
Os funcionários dessa unidade são, em sua maioria, do interior de Minas Gerais, estado que, segundo o censo de 2010 do IBGE, possui mais de 900 mil pessoas na miséria.
De acordo com o procurador, a companhia exige a seleção discriminatória de seus arregimentadores desde 2005, quando ainda usava o nome Cosan. A prática não é restrita apenas à Usina Diamante, mas a todas as filiais, 11 delas localizadas no interior de São Paulo. “A prática instaura uma política de terror e opressão sobre o trabalhador, que tem somente sua força física para oferecer como moeda de troca no mercado de trabalho. Essa conduta transmite a mensagem de que é preferível trabalhar até a exaustão ou morte do que causar problemas à Raízen”, afirma Gonçalves.
Sexo e idade – Durante uma audiência, um representante da Raízen disse em juízo que a empresa “passa o perfil do trabalhador para o fiscal, de modo que ele selecione pessoas do sexo masculino, uma vez que o alojamento que será disponibilizado é só para homens; a faixa etária da pessoa a ser escolhida se enquadra em 18 a 45 anos”.
O preposto da ré confessou perante o juízo que a empresa pratica dois tipos de discriminação vedados por lei: quanto ao sexo e à idade. Na sentença, o juiz José Roberto Thomazi salienta que “se não possuía alojamento para mulheres, que os construísse!”, e que a prática de limitação da idade para o trabalho é “odiosa” e que cria uma “sensação de inutilidade no trabalhador do setor rural, ferindo de morte sua dignidade”.
O procurador Marcus Vinícius Gonçalves oficiou a Procuradoria da República em Jaú para que investigue o crime previsto no artigo 100 do Estatuto do Idoso - “constitui crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa: II – negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho”.
Processo - Uma liminar chegou a ser concedida em março de 2014, proibindo a discriminação na contratação de mão de obra pela Raízen. O juízo de Jaú confirmou a decisão liminar, mantendo a obrigação e acrescentando a não discriminação a mulheres e pessoas maiores de 45 anos, além de condenar a empresa ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 3 milhões. O magistrado ainda decretou segredo de justiça no processo com o objetivo de preservar os nomes dos trabalhadores inseridos na “lista suja” produzida pela Raízen.
“A facilidade de acesso aos autos do processo, propiciada pela internet, permitirá, por certo, a leitura da “lista suja” dificultando, ainda mais, a situação dos nominados”, escreveu.
A Raízen atua na produção de etanol, distribuição de combustíveis pela marca Shell, cogeração de energia (bioeletricidade) e produção de açúcar.
Processo nº 0010539-23.2014.5.15.0024