Para MPT, excesso de peso nos caminhões põe em risco a vida de trabalhadores canavieiros
Operação realizada esta semana pelo MPT e pela PRF flagrou diversas frotas canavieiras com excesso de peso, comprometendo a segurança dos motoristas e usuários das estradas; usineiros alegam que há orientação da Única para não fazer acordos sobre a matéria
Avaré - O Ministério Público do Trabalho em Bauru, por meio da Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação e Combate ao Trabalho Escravo), e a Polícia Rodoviária Federal realizaram esta semana uma operação para vistoriar a regularidade da jornada de trabalho de motoristas e do peso dos caminhões que transportam cana de açúcar na região de Avaré, em prol da segurança do trabalhador. Os procuradores verificaram uma média de excesso próxima dos 50% em relação à carga máxima permitida pela norma nos veículos das usinas Furlan (razão social Agro Nova Geração S/A) e Rio Pardo (razão social Agrícola Tatez S/A). Também foram inspecionadas as frentes de corte mecanizado de cana, pertencentes a essas empresas, onde se constataram irregularidades como falta de sanitários, de refeitórios e jornada excessiva. Nenhuma das usinas anuiu com a assinatura de TAC (Termo de Ajuste de Conduta) no sentido de adequar o volume de carga transportada à lei vigente, com a justificativa de que há uma orientação contrária da Única (União Nacional das Indústrias Canavieiras) à celebração de acordos relacionados à matéria perante o MPT.
A nova frente de atuação do Ministério Público foi provocada pelo excessivo número de acidentes nas estradas do interior de São Paulo, provocado pelo sobrepeso de carga em caminhões que transportam cana de açúcar, de forma a comprometer diretamente a segurança e a saúde dos motoristas. No mês passado, em Avaré, uma carreta de um veículo da usina Furlan se desprendeu do comboio e atingiu um carro que vinha logo atrás, quase vitimando a condutora do automóvel e pondo igualmente em risco a integridade do motorista da carreta. No último dia 12 de setembro, em Itaporanga, um caminhão bitrem carregado de cana de açúcar perdeu os freios e seguiu desgovernado até um barranco da Rodovia Jurandir Siciliano, quase atingindo o outro lado da pista. O motorista ficou ferido.
“O número de acidentes é elevado. Eles podem acontecer se uma das carretas se solta do restante do conjunto e atinge outros veículos ou se, pelo excesso de peso, os caminhões se obrigam a andar muito vagarosamente, o que acaba por provocar batidas com veículos em alta velocidade. Mas são mais comuns relatos de motoristas que perdem o freio e têm de jogar o veículo para fora da estrada, pois há consenso entre os condutores de que há pouco tempo de reação e pouca coisa a fazer em uma situação dessas. É só escolher o melhor lugar para jogar a carreta. Todo acidente põe em risco a vida de todos os envolvidos, sem falar no cotidiano tomado pelo estresse psicológico dos motoristas”, lamenta o procurador e coordenador da operação, José Fernando Ruiz Maturana.
O Código Brasileiro de Trânsito, em seu artigo 231, inciso V, enquadra como infração o ato de transitar com excesso de peso acima do percentual admitido, sujeita a penalidade de multa. O Contran estabelece o limite de 10 toneladas para cada eixo simples, de 17 toneladas para cada eixo duplo e de 6 toneladas para o eixo dianteiro. Em junho desse ano, o Contran publicou no Diário Oficial da União a Resolução 489, que aumenta para 10% o limite de peso por eixo para veículos de carga.
“No Brasil, o nível de tolerância ao volume de carga transportado nas estradas é muito superior ao de outros países, estando entre os mais permissivos do mundo. Não é à toa que o nosso país é um dos campeões em acidentes em rodovias. O excesso de carga, as jornadas abusivas e o descaso levam à insegurança pública em todos os seus aspectos”, observa Maturana.
A estrutura dos caminhões que fazem o transporte de cana permite o carregamento de um volume que varia entre 63 toneladas e 74 toneladas de peso máximo de carga, conforme o número de eixos do veículo. As inspeções feitas in loco, nas balanças das usinas, e por meio de documentos com registros das últimas pesagens, constataram um excesso médio próximo dos 50% da carga permitida pela norma, indo bastante além do que é autorizado, incluindo o novo limite de excesso estipulado pelo Contran. Houve flagrantes de casos em que as carretas estavam tão cheias que derramaram cana pelas vias de trânsito, além de um veículo com a parte mecânica avariada devido ao peso excessivo, estacionado precariamente em uma rodovia.
Ainda assim, em audiência com o MPT, os representantes das usinas inspecionadas recusaram qualquer proposta de adequação da conduta, sendo que os prepostos da Usina Furlan deixaram claro que devem seguir a orientação da Única, mantendo, dessa forma, o descumprimento da lei. Na ata de audiência realizada com a empresa, ficou consignado que a entidade “tem se mostrado contrária à celebração de Termos de Ajuste de Conduta em relação a essas matérias. Assim, a direção da empresa pretende submeter o caso à Única antes de adotar posição definitiva”.
“É preciso haver a compreensão de que a norma tem razão de existir. No estado de direito, é dever de todos, seja pessoa física ou jurídica, cumpri-la integralmente. Não podemos admitir que ninguém, de forma sistemática e contumaz, a descumpra, pois isso trará um grave prejuízo social. Na prática, no dia a dia dessas empresas, o desrespeito à lei beira a insurreição civil”, lamenta.
Operação - a diligência teve início na Rodovia Castelo Branco, altura de Avaré, onde os procuradores e policiais pararam dois caminhões que fariam o transbordo na Usina Rio Pardo. Ambos estavam com excesso de peso. Mais à frente, a operação se deslocou às dependências da usina, onde os procuradores fizeram a verificação dos pesos na balança e também por amostragem, com base na documentação da empresa. Os caminhões que poderiam carregar até 74 toneladas de cana de açúcar estavam transportando até 117 toneladas. De um total de 23 veículos vistoriados, 11 estavam com peso acima de 100 toneladas.
Na Usina Furlan, também localizada em Avaré, os procuradores verificaram o mesmo percentual de excesso de peso nos caminhões de transporte de cana, cerca de 50% além do que é permitido pela lei. Os eixos dos veículos que faziam o transbordo de matéria prima naquela empresa permitiam a carga máxima de até 63 toneladas. Foram verificadas cargas de até 99 toneladas.
Frentes de trabalho - Também foi vistoriada uma frente de trabalho de corte mecanizado da Usina Rio Pardo, onde foram encontrados problemas na terceirização e no registro dos intervalos para descanso dos operadores de colheitadeira. “Terceirizar a colheita de cana significa terceirizar a atividade-fim da empresa, o que é vetado pela legislação”, observa o procurador Marcus Vinícius Gonçalves. O MPT verificou por meio de depoimentos e folhas de registro de ponto que os períodos de intervalo dos operadores de máquina são “pré-registrados” nas fichas pela chefia, ou seja, em tese, os trabalhadores não fazem o registro dos horários. A prática é conhecida como “ponto britânico”. Além disso, a usina não disponibiliza nas frentes de trabalho equipamento de primeiros socorros e profissional habilitado a manuseá-lo.
Na Usina Furlan, uma frente de corte de cana também foi inspecionada pelos procuradores, que constataram condições irregulares de trabalho. Um dos tratoristas almoçava dentro da máquina, pois não havia áreas de vivência (nem banheiros, nem refeitório). Outro tratorista operava o equipamento sem proteção auricular. De acordo com o registro de ponto, havia funcionários tendo de trabalhar até 13 horas por dia, em flagrante excesso de jornada. Não era disponibilizada água fresca e potável aos trabalhadores.
Acordos parciais– A Usina Rio Pardo firmou TAC (Termo de Ajuste de Conduta) perante o MPT, somente se comprometendo a solucionar parcialmente as irregularidades apontadas. O acordo prevê a manutenção de material necessário à prestação de primeiros socorros sob os cuidados de pessoa treinada para este fim. Além disso, a empresa se obriga a conceder intervalo de, no mínimo, uma hora para descanso e refeição e a manter o controle de jornada de trabalho. As obrigações devem ser cumpridas sob pena de multa de R$ 5 mil por item, acrescida de R$ 300 por dia até o efetivo cumprimento.
A Usina Furlan também firmou um TAC para sanar as infrações de forma parcial. Ela se comprometeu a disponibilizar locais adequados para refeição, abrigos para intempéries, banheiros, água potável e fresca, kit de primeiros socorros com profissional treinado para usá-lo, equipamentos de proteção individual e a conceder intervalos de, no mínimo, uma hora para descanso e alimentação, além de registrar fidedignamente a jornada de trabalho dos funcionários. Está prevista a multa de R$ 5 mil por item para cada descumprimento, acrescida de R$ 300 por dia.
Em relação às irregularidades relacionadas à terceirização e excesso de peso da cana transportada, foram discutidos os termos de um TAC, mas não se chegou a um entendimento. Uma nova audiência será realizada, em local e data a ser definida pelo MPT.
Inquéritos - o MPT deve instaurar procedimentos contra 15 usinas da região de Bauru, para investigar e discutir a regularidade do peso da cana transportada, no intuito de preservar a saúde e a segurança de trabalhadores do setor canavieiro. Estão sendo agendadas novas diligências e audiências administrativas para instruir tais inquéritos. Inicialmente, serão propostos TACs para a redução do peso da carga praticado atualmente. Caso não haja a concordância das usinas em firmar acordos, serão ajuizadas ações civis públicas e a decisão sobre a legalidade de se transportar cana com excesso de peso passará a ser de responsabilidade do Judiciário Trabalhista.
Participaram da operação os procuradores José Fernando Ruiz Maturana, Luís Henrique Rafael, Marcus Vinícius Gonçalves e Rogério Rodrigues de Freitas, além de efetivo da Polícia Rodoviária Federal de Marília comandado pelo inspetor Cordelli.