Reconecta: tem início a programação do MPT Campinas no evento para inclusão de pessoas com deficiência

Saiba o que aconteceu no primeiro dia do evento nacional que aborda diálogos sobre temas como emprego, saúde, moradia, educação, inovações em tecnologia assistiva e pesquisas científicas nos diferentes domínios de vida das pessoas com deficiência

Campinas - Nesta quinta-feira (3/12), Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, teve início a Conferência e Exposição Nacional de Inclusão e Acessibilidade (Reconecta), um evento virtual dedicado à inclusão e visibilidade de pessoas com deficiência nos diversos segmentos da sociedade, inclusive no mundo do trabalho. Promovido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o Reconecta tem sua primeira edição nacional e virtual este ano, com diálogos sobre temas como emprego, saúde, moradia, educação, inovações em tecnologia assistiva e pesquisas científicas nos diferentes domínios de vida das pessoas com deficiência. As atividades – debates, workshops e iniciativas culturais, esportivas e de lazer – vão até este sábado (5). Nos dias 3 e 4 de dezembro, o MPT em Campinas preparou uma programação dedicada aos públicos do interior e litoral norte do estado de São Paulo.

 “A programação do Reconecta é voltada à inclusão no mercado de trabalho da pessoa com deficiência, através da conscientização de empresas e da sociedade em geral sobre a sua capacidade e potencial para o desenvolvimento com qualidade e competência de quaisquer atividades laborativas, como qualquer outro trabalhador, bastando que, para isso, haja acessibilidade no meio ambiente laboral, com o emprego de adaptações razoáveis, tecnologias assistivas e rompimento de barreiras, principalmente as atitudinais, tanto nos processos seletivos quanto no decorrer do contrato de trabalho”, explicou a procuradora e coordenadora da Coordigualdade (Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho), Danielle Olivares Corrêa.

Apesar da existência da chamada Lei de Cotas (Lei nº 8.213/91) há quase 30 anos, além da Lei Brasileira de Inclusão e outros mecanismos legais, a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro ainda não é efetiva. Segundo estudo realizado pelo SESIT Unicamp em novembro de 2020, com base em dados do IBGE e do CAGED, 12,7 milhões de pessoas no Brasil têm algum tipo de deficiência considerada grave ou gravíssima, ou 6,7% da população (se considerar o total de pessoas com algum tipo de deficiência, este percentual sobe para 23,9% da população.). Pelo critério etário, 4,2% dessas pessoas estariam aptas a ingressar no mercado de trabalho, mas entre 2007 e 2019, os vínculos formais de emprego para PCDs não passaram de 1,1% do total, considerando o ápice da empregabilidade no período de 12 anos. Atualmente, a empregabilidade desse público é inferior a 1%.

Ainda segundo o CAGED, de janeiro a setembro de 2020 foram eliminados 21.847 postos de trabalho para pessoas com deficiência, sendo o maior saldo negativo no mês de abril, com a perda de 8.810 postos de trabalho. Mesmo com a retomada das contratações em agosto e setembro, o saldo de contratações em detrimento das demissões é menor do que em anos anteriores.

No primeiro dia de Reconecta, o evento foi aberto pelo painel “Conceito da pessoa com deficiência à luz da Lei Brasileira de Inclusão”, ministrado por José Carlos do Carmo, auditor fiscal do Trabalho e coordenador do Projeto de Inclusão da Pessoa com Deficiência da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo.

Carmo fez uma análise sobre o tratamento dado às pessoas com deficiência ao longo da história, destacando os avanços civilizatórios que levaram às ações afirmativas, além de destacar os ditames da Lei Brasileira de Inclusão e dos tipos de deficiência que devem ser considerados para o fim de preenchimento de cota.

Segundo o artigo 93 da Lei nº 8.213, a empresa com cem ou mais funcionários está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, de maneira proporcional ao número de empregados. Para ele, a fiscalização para o cumprimento da lei de cotas é uma importante ferramenta para garantir esse direito fundamental no exercício do trabalho e que, segundo o palestrante, vem sendo historicamente negado às pessoas com deficiência.

“O que desenvolve nossas práticas atualmente é o paradigma da inclusão, pelo qual se entende que a deficiência é uma parte dessa rica diversidade social, ou seja, um valor ou uma qualidade que não só deve ser aceita, mas entendida como algo positivo. Costumo dizer que o mundo seria muito chato se não fosse essa diversidade”, explicou o auditor.

O palestrante expôs os ditames da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), pela qual foi definido que “as pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual (mental), ou sensorial (visão e audição) os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Para Carmo, para cada tipo de deficiência existem critérios e observações que ajudam a definir uma PCD à luz da Lei Brasileira de Inclusão.

“A empresa que não for capaz de trazer para dentro dos seus quadros essa diversidade existente na sociedade, não será capaz de dar respostas às demandas complexas do mundo empresarial cada vez mais competitivo”, disse Carmo.

O tema “Acessibilidade no ambiente de trabalho – Aspectos legais” foi abordado pelo desembargador do TRT da 9ª Região (Paraná) Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, que possui vasto conhecimento na área. Fonseca é o primeiro desembargador com deficiência visual do país. Para ele, a questão da acessibilidade se depara com alguns desafios principais, entre eles a superação das barreirais atitudinais.

“Quais são as maiores questões que devem ser enfrentadas para a acessibilidade nas empresas? Primeiro, a superação da barreira atitudinal. Essa é a principal questão – que tem a ver com um aspecto cultural, do capacitismo. As pessoas acham que pessoas com deficiência não produzem, quando tudo que se vê, quando se coloca a pessoa com deficiência na empresa, é o contrário: a produtividade é ótima, se a pessoa é preparada para a função, ela produz igual ou melhor que qualquer pessoa, dependendo da habilidade dela. Isso não é uma verdade, é um mito que decorre da desinformação e do preconceito”, esclareceu.

Ele também elencou outros desafios: “A outra questão é a exigência da adaptação razoável. O judiciário brasileiro não está atento para isso, e precisa estar. Eu tenho brigado muito no meu tribunal, e às vezes eu ganho, às vezes eu perco”, conta. “Segundo: a oferta de vagas para pessoas com deficiência deve ser objetiva. Não adianta fazer anúncio no jornal. Há que se buscar as pessoas com deficiência onde elas estão, oferecer vagas adaptadas. Isso é fundamental. E, por fim, a questão da preparação da empresa para receber a pessoa com deficiência adequadamente”, finalizou o desembargador.

Na palestra seguinte, intitulada “Instrumento brasileiro de avaliação da deficiência”, a professora Ana Rita de Paula, especialista em direitos das pessoas com deficiência e em políticas públicas de inclusão, falou sobre o processo de validação do IF-Br (Índice de Funcionalidade Brasileiro), que classifica a deficiência para fins de enquadramento na lei de cotas e outros benefícios sociais.

“Anteriormente à concepção desse instrumento, havia o risco da pessoa que pleiteava algum benefício ser considerada com deficiência em uma agência, mas não em outra. Por isso a importância de se ter um instrumento que fosse único em todo o território nacional, a ser utilizado para avaliação mediante pleito de qualquer benefício, possibilitando, assim, a uniformização dos critérios”, explicou a palestrante.

Segundo Ana Rita, o IF-Br trouxe a visão de que a deficiência “não poderia mais ser vista como uma disfunção, mas sim como uma condição humana, onde os aspectos ambientais, culturais e pessoais fossem considerados”. O instrumento utiliza a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade) como contribuição para o enquadramento dos critérios de deficiência, representando um grande avanço nas políticas afirmativas de inclusão no Brasil.

Fechando o primeiro dia da programação do MPT Campinas no Reconecta, a fundadora do Instituto Modo Parités e secretária-executiva da Rede Empresarial de Inclusão Social – REIS, Ivone Santana, falou sobre o “Olhar inclusivo na contratação do trabalhador com deficiência”, apresentando ao público a importância de reunir e mobilizar empresas no Brasil para promover a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Ivone iniciou sua palestra contando da sua experiência prévia como executiva do Magazine Luiza, onde fez um importante trabalho de inclusão de pessoas com deficiência nos quadros da empresa. Segundo ela, a mudança veio a partir da incorporação do elemento da inclusão na cultura organizacional da empresa. A partir dessa experiência, a palestrante passou a ser procurada por outras companhias interessadas em criar programas de inclusão de PCDs, levando-a à fundação do Instituto Modo Parités, que iniciou um projeto voltado para o mundo empresarial.

Ivone também falou sobre a criação da REIS, que é um movimento que agrega uma série de gestores do mundo corporativo que atuam na área de inclusão. Sua fundação aconteceu durante o 26º Fórum De Empregabilidade Serasa Experian, em 2012, evento que contou com a presença de mais de 60 empresas e da Organização Mundial do Trabalho (OIT), e é inspirado em uma rede global de inclusão de PCDs, de atuação internacional. A partir disso, foi criado o Grupo Diretor da Rede Empresarial, que conta com a adesão de mais de 100 empresas, dos mais diversos setores de atuação. Todo o trabalho dessa rede acontece de forma voluntária, por meio dos representantes e depende exclusivamente do engajamento pessoal desses participantes.

A palestrante ressaltou o fato de a rede já ter estimulado o interesse das empresas em promover o mercado de trabalho para esse grupo de pessoas. Ela citou que o próximo passo é a criação de um ambiente de negócios mais inclusivo, com intuito de transformar positivamente as vidas das pessoas com deficiência, pautando sempre para a acessibilidade, saúde da habilitação, educação formal, qualificação profissional e recrutamento e seleção.

Outro ponto destacado por ela, durante o evento, foi sobre o posicionamento da rede em relação à efetiva participação das pessoas com deficiência, seja nos encontros ou nas decisões da rede.

Nessa sexta-feira (04/12), o Reconecta continua com a programação regional, das 15h às 19h, com foco nas boas práticas empresariais e depoimentos de pessoas com deficiência incluídas no mercado de trabalho.

Sobre o evento – O Reconecta é gratuito e está sendo transmitido pelo site oficial do evento. No site, também é possível encontrar documentos referentes às atividades, bem como a programação de cada uma das três salas de transmissão. Outra ação importante é a disponibilização, no portal oficial do evento, de um mural com vagas de emprego destinadas a pessoas com deficiência e/ou reabilitados pelo INSS. São mais de 3.600 oportunidades de trabalho, conforme o mural de vagas publicado no portal.

O Reconecta foi lançado em 2018 pelo MPT no Espírito Santo (MPT-ES) como uma iniciativa de âmbito estadual. O evento promoveu ambiente de intensa imersão ao mundo das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e contribuiu na ampliação do debate sobre inclusão e acessibilidade. O sucesso tanto dessa edição quanto da edição realizada em 2019 no estado fez com que o Reconecta se tornasse uma iniciativa nacional em 2020.

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