Fórum traz estrangeiro e discute prevenção de acidentes

Evento realizado pelo MPT e pela USP propiciou a vinda do engenheiro que atuou na construção do Estado Olímpico de Londres, que não registrou acidentes graves ou fatais

Campinas - Nesta quarta-feira (11), no Salão Vermelho da prefeitura de Campinas, foi realizado pelo Ministério Público do Trabalho e pela Faculdade de Saúde Pública da USP o 50º Fórum Acidentes de Trabalho, que trouxe ao Brasil o engenheiro e professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Loughborough, no Reino Unido, Alistair Gibb. Ele foi uma das cabeças integrantes de um comitê insterinstitucional que contribuiu com o planejamento e execução das obras de construção do Parque Olímpico de Londres, as quais não registraram nenhum acidente grave ou fatal. O evento também teve a participação da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) e da Coordenação Estadual de Saúde do Trabalhador. Os procuradores Mario Antônio Gomes e Nei Messias Vieira presidiram os debates.

Alistair Gibb trouxe ao Fórum a experiência de alguém que cooperou para que a segurança do trabalho fosse uma prioridade no método de construção de cada empreendimento, dentre eles, o Estádio Olímpico de Londres.  Os integrantes da Autoridade Olímpica Britânica (ODA) chegaram a ser premiados pela Sociedade Real de Prevenção de Acidentes (RoSPA, em inglês) justamente pela sua atuação na condução das obras, que não teve registros de acidentes graves ou mortes de trabalhadores. Cerca de 12,5 mil pessoas trabalharam na construção do Parque Olímpico. No total, 62 milhões de horas de trabalho foram realizadas com uma média de 0,17% de acidentes a cada 100 mil horas, menos da metade da média da indústria da construção. Para efeito comparativo, o mesmo evento em Pequim, em 2008, registrou seis mortes por acidentes durante as construções da Vila Olímpica, porém, existem especulações de que o número pode ser ainda maior. No Brasil, durante as obras nos estádios para a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, nove operários perderam suas vidas nos canteiros.

Na sua palestra, Gibb deu ênfase à importância de um projeto bem executado e da comunicação no canteiro de obras para preservar vidas. O engenheiro lembrou que, apesar de representar uma opção mais cara, o comitê preferiu por mudar o desenho arquitetônico do teto do Estádio Olímpico, que passou a ser produzido no chão, por meio de redes de cabos, no sentido de reduzir o trabalho em altura. “Os gestores do projeto fizeram a opção por uma solução mais dispendiosa, mas que fosse mais segura. Não posso precisar este foi o único motivo para a escolha, mas com certeza foi um dos determinantes para a mudança”, afirmou.

Alistair contou ao público que, na Europa, os gestores têm a cultura de “aprender com algo que deu errado”, mas que isso não isenta o Velho Continente de apresentar casos de acidentes laborais. “No canteiro é preciso haver comunicação, acima de tudo, entre trabalhadores e supervisores e entre as diferentes fases da obra. Isso melhora o trabalho e chega a um consenso sobre como inserir o trabalhador em uma cultura que privilegia a saúde e a segurança do trabalho”, disse.

No caso de Londres em 2012, todos os diretores, gerentes e supervisores da obra se envolveram até o pescoço no projeto, inclusive participando da rotina no canteiro de obras. Segundo o pesquisador inglês, isso traz dinâmica às decisões e as acelera, beneficiando, mais uma vez, a preservação das vidas dentro do canteiro. “É preciso motivar a equipe que trabalha com construção civil. Em Londres fizemos algo singelo, porém eficaz: uma parede com os rostos de todos os supervisores que fizeram aquilo acontecer. Alguns quesitos básicos também devem ser seguidos, como respeito, justiça, consistência e, acima de tudo, oferecer desafios”, apontou.

Gibb mostrou a teoria do “queijo suíço”, representando cada camada do “queijo” como sendo uma parte da obra. Em cada camada havia vários buracos, por onde as inconsistências passavam, resultando nos acidentes. “É obrigação da equipe gestora da obra reduzir os buracos, até que não haja nenhum”, observou.    

Terceirização – O problema da terceirização no canteiro de obras é uma realidade também no Reino Unido. No Brasil, a prática é observada como uma das responsáveis pela precarização da mão de obra, também na construção civil.

Alistair Gibb disse que participaram da construção do Parque Olímpico em 2012 diversas contratadas e subcontratadas, mas que desde o início ficou claro que a responsabilidade era da tomadora principal da obra. Por isso, todos trabalharam com respaldo, o que trouxe tranquilidade e organização. “Não posso dizer que os problemas decorrentes da terceirização não acontecem em meu país. Eventualmente alguma empresa é processada por responsabilidade em algum acidente. Mas temos que ter claro que a legislação inglesa tem o entendimento de que a tomadora é responsável”, contou.  

Viracopos – Após a exposição de Alistair Gibb, a doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da USP Manoela Lopes apresentou a pesquisa relativa às obras de construção do novo terminal de passageiros do aeroporto de Viracopos, em Campinas.

Manoela contou o histórico de acidentes graves e fatais que foram registrados ao longo da obra, assim como a participação das instituições públicas de proteção ao trabalhador, tais como o Ministério Público do Trabalho, e fez uma análise do contexto pelo qual a ampliação de um dos maiores aeroportos da América Latina foi viabilizada.   

Segundo a pesquisadora, o Brasil não atualizava sua estrutura aeroportuária há anos, de forma que os consórcios responsáveis pelos projetos de ampliação não possuíam know-how para executá-los. Além disso, havia problemas enfrentados por atrasos no cronograma da obra, levando os gestores a acelerar em demasia a sua execução, sendo este um grande causador de acidentes de trabalho. “Seriam necessários ao menos cinco anos para planejar e executar a construção do novo terminal em Viracopos. Contudo, esse prazo foi abreviado para dois anos. O resultado disso foi que a equipe de planejamento trabalhava concomitantemente à execução da obra”, disse.

Foram registrados ao menos três acidentes graves ou fatais nas obras de Viracopos, mesmo com o acompanhamento constante do MPT e de outras instituições parceiras, como o Cerest e o Ministério do Trabalho. Todas as irregularidades foram punidas e devidamente sanadas, por meio de ações e TACs firmados perante um grupo de quatro procuradores, que iniciaram sua atuação antes mesmo do início das obras, de forma preventiva.  

Por fim, Manoela alertou para a necessidade de melhor fiscalização dos contratos firmados para obras públicas deste porte e para a importância de se adotar novas posturas no Brasil. “O ideal seria incluir a obrigação de se implementar as normas de saúde e segurança do trabalho já no processo licitatório”, finalizou.

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