Audiência pública debate o assédio moral no setor de telemarketing

Estatísticas e inquéritos do MPT apontam para uma prática institucionalizada de assédio nas empresas de call center; encontro busca a conscientização dos males causados pela prática e a regularização das empresas

 

 

Campinas - O Ministério Público do Trabalho realizou na tarde dessa sexta-feira (25) uma audiência pública reunindo empresas do segmento de telemarketing que atuam na região de Campinas, com a presença dos sindicatos patronal e dos trabalhadores da categoria. O objetivo do encontro foi prevenir casos de assédio moral nos call centers por meio de recomendações aos representantes dos empregadores.

Para isso foram entregues notificações recomendando a adoção das seguintes medidas: zelar pela proteção da dignidade e pela valorização do trabalho, garantindo um ambiente saudável; não praticar qualquer ato que configure o assédio, por meio de comportamento abusivo, continuado e que fira a dignidade do trabalhador; realizar palestras e confeccionar cartilhas que instruam o que é o assédio moral e como denunciá-lo; criar canais de comunicação para denúncias que garantam o anonimato; espalhar comunicações no ambiente de trabalho que informem sobre os tipos de assédio e os canais de denúncia; apurar com rigor os casos de assédio e punir os assediadores; incluir toda a equipe em reuniões, avaliações de desempenho, cursos, etc, no sentido de não privilegiar um ou outro;  e manter a livre utilização de sanitários, sem que isso seja um motivador para o não atingimento de metas.

Audiência reuniu grande público na sede do MPT
Audiência reuniu grande público na sede do MPT

 

A procuradora Danielle Olivares Corrêa Masseran instaurou procedimento promocional (Promo), uma ferramenta do Ministério Público do Trabalho para atuar de forma difusa sobre um problema ou segmento da economia, privilegiando o caráter preventivo, com base na atuação da instituição em nível nacional. A Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) elegeu o segmento de telemarketing como foco de atuação para o ano de 2015, em especial pelos diversos inquéritos instaurados contra empresas de call center em todo o país, motivados, em sua maioria, por casos de assédio moral.

Juntamente com bancos, grandes indústrias e varejistas, o setor de telemarketing é considerado como um dos que mais fere a dignidade do trabalhador e um dos que mais causam transtornos mentais decorrentes do assédio. Segundo dados da Previdência Social, de 2004 a 2013, na região de Campinas, mais de 1200 trabalhadores do setor se afastaram por depressão, LER/Dort e outros transtornos psíquicos, acarretando uma conta superior a R$ 5 milhões para os cofres públicos.

"No telemarketing há intenso ritmo de trabalho, intensa pressão, falta de controle do ritmo de trabalho, escala inflexível e insocial, dentre outros problemas. Inclusive, atuei em um caso em que a supervisora de uma grande empresa tentou se matar jogando o carro na árvore. A capacidade laboral dela ficou completamente comprometida ao longo dos anos. O setor é uma máquina de fazer doentes, não obedece a lei vigente e não se adapta ao trabalhador", afirma a auditora fiscal do trabalho Luciana Veloso, especializada na fiscalização de call centers e uma das palestrantes convidadas para a audiência.

Auditora fala sobre o contexto laboral nos call centers
Auditora fala sobre o contexto laboral nos call centers

Auditora fiscal relata casos de trabalhadores que tiveram problemas psicológicos em decorrência do assédio
Auditora fiscal relata casos de trabalhadores que tiveram problemas psicológicos em decorrência do assédio

Segundo a procuradora Danielle Masseran, o estabelecimento de metas agressivas está intimamente ligado à prática de assédio moral e aos afastamentos de trabalhadores. “Em muitos casos, o trabalhador fica incumbido do cumprimento de metas inatingíveis, e isso acaba afetando até o relacionamento com os colegas de trabalho, transformando o meio ambiente do trabalho em um lugar altamente competitivo, em que o assédio pode vir do próprio colega”, alerta.

Dentre os exemplos de assédio moral em call centers, citados pelo sindicato da categoria, pode-se listar casos em que são afixadas listas dos operadores que não estão cumprindo suas metas, expondo-os ao ridículo; advertências grosseiras realizadas pelos supervisores na frente de todo o grupo, com direito a gritos e xingamentos; exclusão de cursos e reuniões dos operadores que estão rendendo abaixo do esperado; limitação de idas ao banheiro, etc.

"O trabalho é importante para a valorização do trabalhador. A sua identidade depende do olhar do outro para o percebimento do que ele fez para a sociedade. Por isso, é importante que a pessoa sinta que tem valor social. A face mais cruel do assédio moral é que ele destrói exatamente essa identidade do trabalhador. Isso é desestabilizador”, salienta Adriana Calvo, doutora, mestre e especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP, estudiosa do assédio moral organizacional.

Pesquisadora explica as formas de assédio moral organizacional
Pesquisadora explica as formas de assédio moral organizacional

 

Uma das preocupações do MPT é relativa à repercussão do assédio moral na saúde do trabalhador, em decorrência, principalmente, do número de afastamentos registrados pela Previdência Social. Por isso, a médica do trabalho e perita do MPT, Simone Oliveira Teixeira, expôs as mazelas físicas e mentais que decorrem do assédio moral organizacional.

"Não culpo apenas as empresas de telemarketing pelo atual contexto, mas também os clientes. Os empregadores são a ponta do iceberg. Quem recebe as ligações dos bancos não sabe que aquela pessoa não é do banco, mas é provável que esse trabalhador sofra mais, receba menos e tenha menos proteção do que um bancário", lamenta a médica.

Por fim, o MPT entregou para cada representante das empresas a notificação recomendatória para que implemente nas rotinas empresariais o combate ao assédio moral, assinada pelas procuradoras Danielle Olivares Corrêa Masseran e Carolina Marzola Hirata Zedes.

 

Médica do trabalho explica os males que o assédio moral causa ao organismo do trabalhador
Médica do trabalho explica os males que o assédio moral causa ao organismo do trabalhador

 

 

 

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