MPT destina R$ 96 milhões do “caso Shell” para projetos de pesquisa

Procurador-geral do trabalho divulgou em coletiva de imprensa os nomes dos primeiros beneficiários do acordo firmado em 2013 

 

Campinas – O Ministério Público do Trabalho efetuou as primeiras destinações do acordo firmado com as multinacionais Raízen Combustíveis S.A (antiga Shell) e Basf S.A, no conhecido caso de contaminação de trabalhadores no sítio das empresas em Paulínia (SP). Os beneficiários serão o Centro Infantil Boldrini, de Campinas, o Hospital do Câncer de Barretos, a Universidade Federal da Bahia/Fundacentro, a Fiocruz Rio de Janeiro e a Fiocruz Pernambuco. No total, serão destinados R$ 96 milhões de um total de R$ 200 milhões.

O acordo homologado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) em 2013, fixou a indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 200 milhões, a ser destinada para instituições indicadas pelo MPT, que atuem em áreas como pesquisa, prevenção e tratamento de pessoas vítimas de intoxicação decorrente de contaminação e/ou desastres ambientais. De todos os projetos remetidos ao Ministério Público, inicialmente, cinco foram escolhidos.

Boldrini - o projeto apresentado pelo Boldrini, com destinação inicial de R$ 19,362 milhões, prevê a realização de estudo epidemiológico que investigará o impacto do meio ambiente na incidência do câncer da criança e do adolescente. Para isso, será construído, com a verba do acordo, um centro de pesquisa que dará suporte a este estudo e a outras pesquisas científicas aplicadas em câncer, permitindo desenvolver elementos para identificar as causas genéticas do crescimento descontrolado das células cancerosas, suas interações com os fatores ambientais e o desenvolvimento de novas terapias, incluindo testes clínicos.

O estudo mapeará os fatores de risco relacionados ao desenvolvimento do câncer infantil em 100 mil crianças nascidas na região de Campinas, desde o pré-natal até quando completarem 18 anos. Para isso, participarão do estudo 100 mil gestantes, atendidas pelos sistemas público e privado de saúde. Serão analisados, além dos fatores ambientais, o estilo de vida, hábitos e condições de trabalho dos pais, uso de medicamentos e drogas durante a gravidez, intercorrências durante a gestação, aumento de peso materno neste período, peso da criança ao nascimento, prematuridade, idade dos pais e outras variáveis que possam estar envolvidas com o câncer e malformações congênitas.

Hospital do Câncer de Barretos– a proposta, orçada em R$ 69,965 milhões, contempla pesquisa, prevenção, tratamento e educação em oncologia. A maior concentração do estudo ocorrerá nas populações do interior do Estado de São Paulo, beneficiando mais de 3,6 milhões de pessoas residentes na localidade afetada pelo desastre provocado pela Shell. Os principais objetivos são realizar 350 mil exames de rastreamento de câncer no período de cinco anos, confirmar o diagnóstico de cerca de cinco mil indivíduos e trata-los de acordo com o padrão, inclusive molecular, de cada tipo de tumor e construir uma unidade móvel onde os jovens possam participar de atividades que envolvam estilo e hábitos de vida saudáveis e ciência.

Além disso, o projeto pretende construir uma unidade fixa em Campinas a para realização dos exames como mamografia digital e papanicolau, e tratamento do câncer de mama; outras quatro unidades móveis com mamógrafos, tomografia computadorizada e ressonância magnética para auxílio no diagnóstico precoce do câncer; e um Centro de Pesquisa em Prevenção do Câncer com laboratório para estudos celulares.

Fiocruz Pernambuco – o projeto orçado em R$ 1,5 milhão trata-se de uma pesquisa para mapear a situação da saúde do trabalhador que faz uso de agrotóxicos nas cadeias produtivas e nos territórios de desenvolvimento do Estado de Pernambuco. O projeto fará estudos de neurotoxidade para limitar registro de agrotóxicos, estudo epidemiológico de gestantes e filhos de agricultores para identificação de danos neurológicos e saúde em geral e para desenvolver indicadores de carcinogênese em trabalhadores expostos. Ao final do projeto, os pesquisadores devem propor mudanças na disciplina de toxicologia com vistas ao diagnóstico, medidas de prevenção, controle e tratamento de intoxicação de trabalhadores. Os resultados obtidos serão disponibilizados para aplicação em território nacional, incluindo o interior de São Paulo.

Fiocruz Rio de Janeiro - O projeto, orçado em R$ 3,6 milhões, transporta a mesma metodologia utilizada em Pernambuco a estudos nas cidades de Rio Verde (GO) e Casimiro de Abreu (RJ). A escolha dos municípios deve-se ao fato dos trabalhadores dessas cidades terem sido alvo de contaminações por agrotóxicos, desencadeando efeitos graves sobre a sua saúde.   

O resultado dos estudos empreendidos pela Fundação Fiocruz poderá ser aplicado no diagnóstico, prevenção e combate ao uso de substâncias agrotóxicas em qualquer parte do território nacional, inclusive na Região Metropolitana de Campinas.

Federal da Bahia e Fundacentro – as instituições apresentaram um projeto orçado em R$ 1,510 milhão que tem como objetivo mapear a exposição ocupacional ao asbesto (mineral utilizado na produção de amianto) e seus efeitos sobre a saúde no Brasil. Para isso, os pesquisadores devem estimar o número de trabalhadores expostos à substância no país e elaborar uma matriz de exposição e uma base de dados nacional. A partir daí, serão levantados coeficientes de mortalidade e morbidade da população exposta e o mapeamento de serviços de saúde preparados para a investigação de agravos à saúde.

Também serão estimados no estudo os indicadores de qualidade e cobertura dos registros de câncer relacionados ao asbesto no Estado de São Paulo, pelo confronto de diferentes fontes de informação. Por fim, o projeto possibilitará a distribuição espacial de expostos ao asbesto e óbitos por mesotelioma no Brasil. As informações visam contribuir com o SUS (Sistema Único de Saúde), para implementar ações de vigilância epidemiológica e cuidados à saúde mais adequados aos trabalhadores.  

Futuras destinações - Outros projetos já estão sendo analisados por uma comissão formada por procuradores do trabalho e analistas processuais para futuras destinações. Segundo os termos da conciliação, o montante de R$ 200 milhões deve ser destinado no prazo de cinco anos, a contar da data de homologação do acordo (abril de 2013). Dos 52 projetos já analisados pela comissão, 47 foram indeferidos.

Sobre o caso Shell

Em 2013, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) homologou o maior acordo da história da Justiça do Trabalho, celebrado entre o Ministério Público do Trabalho e as empresas Raízen Combustíveis S/A (Shell) e Basf S/A. A conciliação encerrou a ação civil pública movida pelo MPT em Campinas no ano de 2007, depois de anos de investigações que apontaram a negligência das empresas na proteção de centenas de trabalhadores em uma fábrica de agrotóxicos no município de Paulínia (SP).

A Shell iniciou suas operações no bairro Recanto dos Pássaros na metade da década de 70. Em 2000, a fábrica foi vendida para a Basf, que a manteve ativada até o ano de 2002, quando houve interdição pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O processo, que possui centenas de milhares de páginas derivadas de documentos e laudos, prova que a exposição dos ex-empregados a contaminantes tem relação direta com doenças contraídas por eles anos após a prestação de serviços na planta. Desde o ajuizamento da ação, foram registrados mais de 60 óbitos de pessoas que trabalharam na fábrica.

Mais de mil pessoas se beneficiaram do acordo, já que ele abrange, além de ex-trabalhadores contratados diretamente pelas empresas, terceirizados e autônomos que prestaram serviços às multinacionais, e os filhos de todos eles, que nasceram durante ou após a execução do trabalho na planta.

Além da indenização por danos morais coletivos no importe de R$ 200 milhões, ficou garantido o pagamento de indenização por danos morais individuais, na porcentagem de 70% sobre o valor determinado pela sentença de primeiro grau do processo, o que totaliza R$ 83,5 milhões. O mesmo percentual de 70% foi utilizado para o cálculo do valor de indenização por dano material individual, totalizando R$ 87,3 milhões.

O acordo também garantiu o atendimento médico vitalício a 1058 vítimas habilitadas no acordo, além de pessoas que venham a comprovar a necessidade desse atendimento no futuro, dentro de termos acordados entre as partes.

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