Clealco firma acordo de R$ 410 mil por expor trabalhadores ao calor excessivo
Conciliação encerra execução de multa por descumprimento de decisão judicial; valores serão doados a órgãos públicos e entidades beneficentes do centro-oeste paulista
Por Camila Correia
Bauru – O Ministério Público do Trabalho em Bauru firmou acordo no valor de R$ 410 mil com a Clealco Açúcar e Álcool S/A, a título de multa pelo descumprimento de uma determinação judicial que obriga a empresa a adotar medidas de proteção de trabalhadores contra o calor excessivo. Desse montante, R$ 300 mil devem ser pagos a partir do próximo dia 10 de janeiro, em favor do Ministério da Justiça – para equipar as polícias da região -, e R$ 110 mil, nas mesmas datas, para entidades assistenciais sediadas nos municípios de atuação da empresa (Clementina, Queiroz e Penápolis).
A Justiça do Trabalho havia condenado a Clealco em duas instâncias, nos autos de uma ação civil pública movida pelo procurador Marcus Vinícius Gonçalves, a elaborar avaliação de risco da atividade de corte manual de cana, oferecendo medidas de aclimatação, orientação e treinamento dos funcionários para evitar a sobrecarga térmica. Ela deveria medir o índice chamado de IBUTG (Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo), e caso ele atingisse o valor de 25 (equivalente à temperatura de 37ºC), a usina deveria conceder períodos de descanso com pausas de 15 a 45 minutos por hora aos cortadores ou, em situações mais graves, suspender as atividades de corte de cana.
No entanto, após a notificação da decisão, o Ministério do Trabalho e Emprego constatou que “a empresa não realizou a avaliação dos riscos físicos e ambientais quanto ao calor”, que “não havia o conjunto de termômetros instalados nas frentes de trabalho para monitoramento do calor” e que os próprios representantes da empresa admitiram que “nunca fizeram pausas no trabalho por calor excessivo”. Dessa forma, o MPT ingressou com pedido de execução do valor de R$ 1,760 milhão pelo descumprimento da sentença.
Além de não apresentar ao MPT os controles do calor, a empresa evidenciou na sua unidade de Queiroz que o IBUTG ultrapassou 25 por vários dias, porém, não há provas de que tenha sido concedido o descanso aos trabalhadores.
No acordo, a Clealco se compromete também a cumprir integralmente as obrigações de adotar medidas para evitar a sobrecarga térmica de trabalhadores e de incluir a concessão de pausas em períodos de altas temperaturas – nas suas três unidades, nas cidades de Clementina, Queiroz e Penápolis -, ressalvando-se que as medições deverão ser realizadas em áreas agropastoris ao lado da usina. Se as obrigações de pagar assumidas forem descumpridas, a empresa pagará multa de 50% sobre o saldo devedor. Com a conciliação, as partes envolvidas no processo desistem dos recursos apresentados na ação principal.
Calor - Um estudo apresentado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), utilizado nas petições do Ministério Público, faz analogia do corte de cana com a maratona, mostrando que ambas as atividades geram praticamente o mesmo nível de desgaste físico. A pesquisa apresenta números que dão a dimensão do enorme esforço realizado pelos cortadores durante a jornada de apenas um dia: eles desferem uma média de 3.792 golpes com o podão, realizam 3.394 flexões de coluna e levantam cerca de 11,5 toneladas de cana.
Outras literaturas e artigos técnicos afirmam que quando a necessidade de regulação da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exercício no calor, já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área entre a pele e os músculos, deixando as demais com pouca oxigenação. A consequência pode ser fatal: infartos e acidentes cardiovasculares podem acontecer durante a “maratona”. Além disso, sintomas de fadiga, como tontura e vômitos, e cãibras pela desidratação, podem ser comuns. No corte de cana, ao menos 21 mortes por exaustão já foram contabilizadas desde 2004 pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Processo 0000986-57.2013.0065.15