Abengoa é condenada a encerrar salário por produção no corte de cana

Desembargadores decidem reformar sentença da primeira instância, determinando que a usina adote salário por tempo de trabalho, com fundamento em fontes médicas, jurídicas e acadêmicas

 

Campinas – A 1ª Turma de desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas, reformou decisão da Vara do Trabalho de Porto Ferreira (SP), condenando a Abengoa Bioenergia Agroindústria Ltda. a não vincular o salário de cortadores à quantidade de cana-de-açúcar colhida por eles, prática conhecida como “salário por produção”. A tese do Ministério Público do Trabalho, autor da ação, foi vencedora por unanimidade.

O acórdão, que dá provimento ao recuso impetrado pelo MPT, determina que a empresa do setor sucroalcooleiro deixe de remunerar os empregados por unidade de produção (tonelada cortada), tendo que adotar o sistema de pagamento salarial por tempo de trabalho, sob pena de multa de 1.500,00 por trabalhador atingido. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho.

Um dos temas trabalhistas mais discutidos por operadores do direito na última década, o salário por produção está intimamente ligado às condições de saúde e segurança do trabalho no corte manual de cana-de-açúcar. Em decorrência do baixo piso das diárias mínimas (ou até do não pagamento das diárias), os trabalhadores acabam por praticar um esforço subumano na busca por um ganho salarial mais compensador, o que pode resultar em casos de exaustão, doenças ocupacionais e até mortes. De 2003 até hoje, dezenas de pessoas morreram no ambiente de trabalho, em meio à atividade de corte de cana. A causa dos óbitos, em geral, é provocada por infarto ou AVC (acidente vascular cerebral), intimamente associados à alta de pressão.

Com o objetivo de proteger a integridade dos trabalhadores, o procurador Rafael de Araújo Gomes, do MPT em Araraquara, ingressou com a ação contra a Abengoa Bioenergia após inquérito que constatou a precariedade no meio ambiente laboral no que se refere ao excesso de trabalho na busca da remuneração por produtividade. Na petição inicial da ação civil pública, o Ministério Público se apoiou em teses, estudos e casos concretos para demonstrar que os maiores prejuízos à saúde dos cortadores de cana advêm do salário por produção.

Na sentença de primeira instância, o juízo julgou improcedentes os pedidos apresentados pelo MPT, mesmo mediante a apresentação de estudos que fundamentam a prática nociva do salário por produção à vida do trabalhador. Uma das teses faz analogia entre o corte de cana e a maratona, apontando que ambas geram praticamente o mesmo nível de desgaste físico. A pesquisa empreendida por acadêmicos da Unimep, em Piracicaba, apresenta números que dão a dimensão do enorme esforço realizado pelos cortadores durante a jornada de apenas um dia: eles desferem uma média de 3.792 golpes com o podão, realizam 3.394 flexões de coluna e levantam cerca de 11,5 toneladas de cana.

Outras referências literárias e artigos técnicos também são citados na ação, os quais afirmam que quando a necessidade de regulação da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exercício da atividade de corte, especialmente no calor, já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área entre a pele e os músculos, deixando as demais com pouca oxigenação. A consequência pode ser fatal: infartos e acidentes cardiovasculares podem acontecer durante a “maratona”. Além disso, sintomas de fadiga, como tontura e vômitos, e cãibras pela desidratação, podem ser comuns.

Execução – Além da ação civil pública, a Abengoa responde a uma execução judicial no valor de R$ 112 mil pelo descumprimento de um acordo firmado com o Ministério Público perante o Judiciário Trabalhista. A empresa desrespeitou cláusula em que se comprometeu a fazer a medição de temperatura nas frentes de trabalho e, se observado calor excessivo, a conceder pausas para descanso, ou realizar a suspensão das atividades. O processo tramita na Vara do Trabalho de Porto Ferreira.   

Processo nº 0000560-33.2012.5.15.0048 

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