Tribunal condena a União por concessão de selo a usina

Campinas - O Ministério Público do Trabalho obteve a condenação, em segunda instância, da União (Governo Federal) à não concessão de selos de responsabilidade à Usina Ipiranga de Açúcar e Álcool S.A, de Descalvado (SP), sem que haja a prévia fiscalização do MPT e sem a prévia análise de processos judiciais findos e em andamento, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, reversível ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente “da localidade da lesão”. A decisão foi proferida pela 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho.

 

O MPT em Araraquara ingressou, em outubro de 2012, com ações civis públicas contra sete usinas agraciadas com o selo “Empresa Compromissada” (Usina de São José da Estiva S.A, Usina Santa Fé S.A, Irmãos Malosso Ltda., Usina Ipiranga de Açúcar e Álcool S.A, Usina Santa Cruz S.A Açúcar e Álcool, Raízen Araraquara Açúcar e Álcool Ltda. e outras duas unidades da Raízen Energia S.A). O procurador Rafael de Araújo Gomes pediu a sua imediata cassação.

O argumento utilizado pelo procurador foi de que não foram devidamente observadas as regras enunciadas pela União Federal para o deferimento da certificação por empresas de auditoria privada, com o acometimento de inúmeras irregularidades. São agraciadas com o selo as empresas que, segundo a Secretaria-Geral da Presidência da República, oferecem boas condições de trabalho aos seus empregados, na esteira do “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Boas Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar”, lançado pelo Governo Federal com adesão de 75% das empresas sucroalcooleiras brasileiras. Foram vinculadas ao compromisso 250 das 300 usinas do país, e 169 ganharam o selo.

Especificamente com relação à Usina Ipiranga, o dossiê sintético da empresa emitido pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho, juntado com a petição inicial, registrava que nos anos anteriores haviam sido constatadas 18 infrações às normas mínimas de proteção à saúde do trabalhador constantes da NR-31. Ainda havia o registro de um acidente fatal de trabalho e foram localizados 32 trabalhadores rurais laborando sem registro. A usina respondia a diversos inquéritos civis perante o Ministério Público do Trabalho, o que foi considerado irrelevante para a concessão do selo de responsabilidade social em questão.

O fato da usina responder a diversas reclamações trabalhistas e ter sido condenada diversas vezes pelos mesmos ilícitos (inexistência de controle de jornada válido, não pagamento de horas extras, não fornecimento de equipamentos de proteção individual, não pagamento de adicionais e supressão do intervalo intrajornada, entre outros), também foi desconsiderado para concessão do selo, tendo sido considerada apenas a conclusão da empresa de auditoria escolhida e paga pela Usina Ipiranga, cuja análise foi feita com base nos documentos fornecidos por ela.

“O selo foi criado e efetivamente concedido com o propósito de melhorar a imagem do setor no Brasil e no exterior custe o que custar, mesmo que para isso seja necessário que a União Federal emita de forma oficial declaração contrária à verdade dos fatos e à realidade já conhecida pelos órgãos que fazem parte do sistema de justiça trabalhista, não consultados pela União. Sob essa perspectiva, o selo, se concedido em confronto com os fatos, de forma a ocultar problemas trabalhistas reais, torna-se uma ameaça à efetivação dos direitos dos trabalhadores individualmente e coletivamente considerados”, observa Rafael de Araújo Gomes.

“A conclusão é a de que o Compromisso Nacional para aperfeiçoar as condições de trabalho na cana-de-açúcar prestou-se a um falso debate e resultou num acordo erigido conforme os interesses das Usinas, com a concordância do Estado, para divulgar uma imagem socialmente limpa do setor sucroalcooleiro no mercado agroexportador”, conclui no seu voto o desembargador relator João Batista Martins César. 

Processo nº 0001375-30.2012.5.15.0048

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