Justiça proíbe a sindicalização compulsória de trabalhadores da indústria de calçados de Birigui

Ilegalidade com previsão em norma coletiva conta com anuência do setor patronal; decisão também proíbe cobrança de contribuições de não filiados

 

Campinas - O Tribunal Regional do Trabalho de Campinas condenou em segunda instância o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias dos Calçados de Birigui (Sindicato dos Sapateiros) e o Sindicato das Indústrias de Calçado e Vestuário de Birigui (Sinbi) a não impor sindicalização de trabalhadores no momento da contratação, prática contrária ao direito constitucional à livre associação. Além disso, os réus não podem estabelecer cláusulas em acordo ou norma coletiva que permitam a cobrança de contribuições ilegais de não filiados à entidade sindical e devem garantir o direito dos associados à oposição a taxas que sejam deles cobradas (de cunho assistencial, confederativo, de revigoramento, de reforço, de fortalecimento sindical etc.). A ação é do Ministério Público do Trabalho em Araçatuba.

As investigações do MPT tiveram início com o recebimento de denúncias de trabalhadores da categoria relatando que eram obrigados a se filiar ao Sindicato dos Sapateiros no momento da contratação. Segundo os denunciantes, em razão de um ajuste entre os sindicatos profissional e patronal com as empresas do ramo, os trabalhadores das fábricas de calçados de Birigui estariam sendo obrigados a assinar a “ficha de sócio” no ato de suas contratações, circunstância que autoriza descontos de contribuições confederativas e assistenciais diretamente no holerite.

A procuradora Guiomar Pessotto Guimarães tomou depoimentos de trabalhadores e teve acesso à convenção coletiva formalizada por sindicato e empresas, concluindo que a irregularidade tinha previsão em norma coletiva. Uma das cláusulas previa a “colaboração” das empresas na sindicalização de empregados, “apresentando no ato da admissão a proposta de filiação ao Sindicato Profissional”.

Difícil desfiliação – além de terem de se filiar de forma compulsória, os trabalhadores da categoria encontram dificuldades em se desfiliar ou de opor ao Sindicato dos Sapateiros. As investigações do MPT apontam que a presidente da entidade determina o fechamento do sindicato no período do almoço, para dificultar a ida dos trabalhadores à sede administrativa.

Depoimentos concedidos ao Ministério Público mostram que empregados do setor que procuraram o sindicato tiveram de enfrentar resistência para entregar as cartas de desfiliação, inclusive tendo presenciado funcionários da entidade “esbravejando” contra os pedidos, com palavras como “o sindicato sozinho não tem força”.

Contribuições ilegais – a convenção coletiva firmada com o setor patronal também possui cláusulas que autorizam a cobrança de contribuição assistencial de não filiados à entidade diretamente na folha de pagamento dos funcionários. A prática ilegal é instituída no próprio Estatuto Social do Sindicato dos Sapateiros, que prevê a cobrança de contribuição confederativa, assistencial e outras de “todos os integrantes das categorias representadas”.   

“A simples leitura das cláusulas denotam o desrespeito do ordenamento jurídico sobre o direito de livre associação e sindicalização pelas entidades sindicais signatárias da convenção coletiva. Todas elas, de uma forma ou de outra, cooperam para a transgressão da liberdade constitucional de associação e sindicalização dos trabalhadores, seja impondo a filiação compulsória, seja dificultando ou embaraçando a desfiliação. Na maioria dos casos, o empregado sequer é informado sobre o documento que está assinando e, apesar de alguns deles receberem singelos esclarecimentos sobre a liberdade de associação, uma vez a ficha de sócio assinada, a desfiliação só é possível mediante o comparecimento pessoal junto à entidade sindical”, afirma a procuradora.

Os réus foram notificados pelo MPT com as recomendações de não inserir cláusulas ilegais nas futuras negociações, mas a irregularidade persistiu. Com base nos artigos 5 e 8º da Constituição Federal, que preveem a liberdade sindical e o direito à livre associação, o MPT ingressou com a ação civil pública. Em primeira instância, a Vara do Trabalho de Birigui julgou procedentes os pedidos do Ministério Público, condenando os sindicatos a encerrar a filiação compulsória, a garantir o direito de oposição e a deixar de cobrar taxas ilegais de não filiados. As entidades apresentaram recurso, que foi negado pelo TRT, sendo mantida a decisão.  

Para o desembargador relator do processo, Helio Grasselli, a imposição de cláusulas que permitem a colaboração das empresas na filiação compulsória de empregados extrapola os limites da autonomia sindical. “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei. Quanto à liberdade sindical, o artigo 8º, V, da CF, prevê que não pode o sindicato, amparado no princípio da autonomia sindical e para alcançar suas finalidades, impor regras abusivas que acabam por traduzir a filiação forçada do sindicato”, ressalta.

Multas e obrigações - além de obrigar o fim da sindicalização compulsória de trabalhadores da categoria calçadista, o acórdão impede os réus de impor ao trabalhador a apresentação de guia de recolhimento de contribuição sindical como condição para homologar a rescisão de contratos de trabalho. Se descumpridas as obrigações, as entidades representativas dos trabalhadores e das empresas pagarão multa de R$ 30 mil por item, além de R$ 1 mil por dia a partir do primeiro dia de vigência da norma coletiva que afrontar a decisão. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho.

Processo nº 0000764-65.2013.5.15.0073

Imprimir