Raízen é novamente condenada a encerrar salário por produção no corte de cana

Desembargadores decidem manter sentença da 1ª Vara do Trabalho de Araçatuba, determinando que as unidades Benálcool e Destivale adotem salário por tempo de trabalho, com fundamento em fontes médicas, jurídicas e acadêmicas

 

Campinas – A 4ª Turma de desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas manteve decisão da 1ª Vara do Trabalho de Araçatuba (SP), condenando em segunda instância a Raízen Energia S.A a não vincular o salário de cortadores à quantidade de cana-de-açúcar colhida por eles, prática conhecida como “salário por produção”. A tese do Ministério Público do Trabalho, autor da ação, foi vencedora por unanimidade.

O acórdão, válido para as unidades Benálcool e Destivale, determina que a gigante do setor sucroalcooleiro deixe de pagar aos empregados o salário calculado por tonelada cortada, tendo que adotar o sistema de pagamento salarial por tempo de trabalho.  Além disso, foram também mantidas as obrigações de monitorar a exposição dos trabalhadores ao calor e de conceder pausas mediante risco de estresse térmico (considerando-as como tempo de serviço). O recurso impetrado pela Raízen S.A, que questiona a decisão de primeira instância, foi julgado parcialmente procedente no que se relaciona à indenização por danos morais coletivos: o valor a ser pago pela empresa foi reduzido de R$ 400 mil para R$ 200 mil (com reversão a entidades sociais de atendimento a trabalhadores na jurisdição da 1ª Vara do Trabalho de Araçatuba, a serem indicadas pelo MPT ou pela própria justiça).  

Um dos temas mais discutidos nos últimos anos por especialistas e profissionais do setor, o salário por produção está intimamente ligado às condições de saúde e segurança do trabalho no corte manual de cana-de-açúcar. Em decorrência do baixo piso das diárias mínimas (ou ausência delas), os trabalhadores acabam por praticar um esforço subumano na busca por um ganho salarial mais compensador, o que pode resultar em casos de exaustão, doenças ocupacionais e até mortes. De 2003 até hoje, dezenas de pessoas morreram no ambiente de trabalho, em meio à atividade de corte de cana. A causa dos óbitos, em geral, é provocada por infarto ou AVC (acidente vascular cerebral), intimamente associada à alta de pressão.

Com o objetivo de proteger a integridade dos trabalhadores, o MPT em Araçatuba ingressou com a ação contra a Raízen S.A, após inquérito que constatou a precariedade no meio ambiente de trabalho no que se refere ao excesso de trabalho decorrente do salário por produção. Na petição inicial da ação civil pública, o Ministério Público se apoiou em teses, estudos e casos concretos para demonstrar que a morte de cortadores de cana advém do salário por produção, já que este sistema de remuneração provoca a necessidade dos trabalhadores aumentarem o esforço despendido no trabalho.

Na sentença de primeira instância, o juiz acatou os argumentos apresentados pelo MPT e apresentou outros estudos que fundamentam a prática nociva do salário por produção à vida do trabalhador. Uma das teses se refere a um estudo elaborado por acadêmicos que faz analogia ao corte de cana e à maratona, apontando que ambas geram praticamente o mesmo nível de desgaste físico. A pesquisa apresenta números que dão a dimensão do enorme esforço realizado pelos cortadores durante a jornada de apenas um dia: eles desferem uma média de 3.792 golpes com o podão, realizam 3.394 flexões de coluna e levantam cerca de 11,5 toneladas de cana.

Outras referências literárias e artigos técnicos também são citados na ação, os quais afirmam que quando a necessidade de regulação da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exercício da atividade de corte, especialmente no calor, já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área entre a pele e os músculos, deixando as demais com pouca oxigenação. A consequência pode ser fatal: infartos e acidentes cardiovasculares podem acontecer durante a “maratona”. Além disso, sintomas de fadiga, como tontura e vômitos, e cãibras pela desidratação, podem ser comuns.

A ação foi redigida pela procuradora Guiomar Pessotto Guimarães, de Araçatuba, que também conduziu o inquérito civil. No Tribunal, a procuradora Renata Piaia Petrocino foi responsável pela defesa da ação. A juíza Larissa Carotta Martins da Silva Scarabelim foi a relatora do acórdão. Cabe recurso à empresa no Tribunal Superior do Trabalho. 

Processo nº 0000915-33.2012.5.15.0019 

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