DNIT é condenado em R$ 200 mil e deve incluir cláusulas de proteção trabalhista em contratos públicos

Autarquia da União Federal descumpre Convenção da OIT que obriga a inclusão de cláusulas que garantam direitos trabalhistas em contratos públicos, sob pena de sanções

 

Araraquara – O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), autarquia da União responsável pela licitação de obras de infraestrutura em rodovias e ferrovias, está proibido de celebrar contratos que não assegurem o cumprimento dos direitos trabalhistas por parte das empresas contratadas e subcontratadas (construtoras e empreiteiras), em respeito à Convenção nº 94 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).  A obrigação foi imposta pelo juízo da 3ª Vara do Trabalho de Araraquara, atendendo parcialmente aos pedidos feitos pelo Ministério Público do Trabalho. O DNIT também foi condenado ao pagamento de indenização de R$ 200 mil para reparar os danos morais coletivos causados por quase cinco décadas de descumprimento da norma internacional.

Promulgada pelo Brasil em julho de 1966, por meio do Decreto nº 58.818, a Convenção nº 94 da OIT dispõe sobre a necessidade de inclusão de cláusulas que assegurem direitos trabalhistas em contratos públicos. Ela estabelece que os contratos que envolvam gasto de dinheiro público, como obras e prestação de serviços, devem prever “condições de trabalho que não sejam menos favoráveis” do que aquelas contidas na lei trabalhista e normas coletivas vigentes no país em questão. A Convenção também prevê que o instrumento do contrato deve estabelecer sanções em caso de infrações trabalhistas, citando a suspensão ou proibição de contratar com o poder público e a retenção de pagamentos.

“Esta Convenção, que possui força de lei no ordenamento brasileiro, em acréscimo à obrigação assumida pelo Estado perante a comunidade internacional, vem sendo há décadas desprezada e ignorada pela União Federal e por suas autarquias, entre elas o DNIT, particularmente no que diz respeito a obras pagas com dinheiro público”, afirma o procurador Rafael de Araújo Gomes, responsável pela ação.

Segundo investigado pelo MPT, há mais de duas décadas a OIT vem repreendendo o Brasil por não garantir o cumprimento da Convenção nº 94, como pode ser atestado pelos estudos realizados pelo Comitê de Peritos da Organização, e por meio de diversos comunicados remetidos à União Federal desde o ano de 1990.

“Essa situação patética não se limita à criação de embaraço e vergonha ao Brasil perante a comunidade internacional e a OIT, mas também, e principalmente, prejuízo irreparável a milhões de trabalhadores brasileiros, particularmente na construção civil, envolvidos em obras públicas e que são mantidos à margem da formidável proteção contratual exigida pela Convenção 94. Os contratos públicos de obras constituem a maior fonte de lucros do setor da construção civil no Brasil, atingindo montantes multibilionários, sendo que as empresas contratadas pelo poder público figuram sem sombra de dúvida entre os piores empregadores do país, e geram todos os anos uma quantidade descomunal de reclamações trabalhistas envolvendo supressão de salários e outras verbas, exigência de jornadas excessivas e violações graves às normas de saúde e segurança do trabalho, causa constante de numerosos acidentes fatais. Esse caos trabalhista é mantido justamente porque as empresas do setor sabem que as suas permanentes infrações trabalhistas não serão sancionadas pelo ente público contratante, de modo que eventuais ilícitos flagrados pela inspeção do trabalho ou pela Justiça do Trabalho não interferirão na obtenção de receita e de lucro através do recebimento de dinheiro público” escreveu o procurador na sua petição.

Sentença - Atendendo aos pedidos do MPT, a juíza Mônica Rodrigues Carvalho, da 3ª Vara do Trabalho de Araraquara, condenou o DNIT a “abster-se de celebrar contratos que não contenham cláusulas assecuratórias de direitos trabalhistas dos empregados das contratadas e subcontratadas, previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e legislação afim, e cláusulas sociais de normas coletivas aplicáveis, com previsão de sanções específicas para o caso de descumprimento”, sob pena de multa de R$ 100 mil por contrato celebrado irregularmente (ou multa no valor do contrato, caso este seja inferior a R$ 100 mil). Os valores serão revertidos “em favor de projetos, iniciativas ou campanhas que beneficiem a coletividade de trabalhadores de quaisquer dos municípios envolvidos, a serem indicados em eventual liquidação de sentença pelo autor (MPT)”.

Na sentença, a juíza rebate os argumentos apresentados pela defesa do DNIT, de que a cláusula presente nos atuais contratos, a do seguro-garantia, seja suficiente para assegurar o pagamento de direitos trabalhistas dos empregados da empresa contratada. “A exigência de apresentação à Administração Pública da CNDT – Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – pelo licitante apenas afasta eventual irregularidade trabalhista deste, mas não assegura direitos trabalhistas mínimos aos empregados da futura licitante, que irão prestar serviços para a Administração Pública”, observa a magistrada.

Cumprimento imediato – a juíza deferiu a tutela antecipada pretendida pelo Ministério Público. Com isso, para que o réu cumpra as obrigações constantes da decisão (cumprimento da Convenção 94), não será necessário que o processo transite em julgado. A medida deve ser cumprida de forma imediata pelo DNIT, no momento de sua notificação. “Presentes, pois, a plausibilidade do direito material alegado e o perigo na demora, não havendo perigo na irreversibilidade na medida, haja vista que se trata de mero cumprimento da lei, o deferimento da tutela antecipada pretendida é medida que se impõe”, determinou a magistrada.  

Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas.

Processo nº 0000543-08.2014.5.15.0151

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