Seminário aborda tráfico de pessoas, trabalho degradante e experiências bem-sucedidas na formação de atletas

Segundo dia de evento traz nomes internacionais e expõe os grandes problemas enfrentados por jovens que sonham ser atletas: o aliciamento, o tráfico e o descaso de clubes 

 

Campinas - No segundo dia do seminário “Juntos pelos direitos de quem sonha ser atleta”, realizado pelo Ministério Público do Trabalho para discutir a proteção ao trabalho do jovem atleta, foram expostos talvez os dois mais relevantes painéis de discussão do evento. O primeiro, que abordou a questão do aliciamento, tráfico desportivo e do trabalho degradante, expos um dos mais graves e recorrentes problemas flagrados nas categorias de base no Brasil. O outro falou sobre experiências internacionais bem sucedidas, as quais, se aplicadas no nosso país, podem jogar luz sobre o cenário sombrio da formação profissional no futebol.  Além destes, foram realizadas duas oficinas e um bate papo com o jornalista Juca Kfouri.

O painel ‘’Intercâmbio cultural, tráfico desportivo e trabalho degradante’’ teve como presidente de mesa o juiz Paulo Roberto César, do Tribunal de Justiça de São Paulo. O promotor da Infância e Juventude Carlos Carmello Jr., do Ministério Público do Estado de São Paulo, falou sobre o trabalho realizado por aquele órgão no combate ao tráfico de seres humanos, com ênfase no contexto esportivo. O membro do MPE citou um inquérito envolvendo a Portuguesa Santista, em que o clube do litoral paulista foi condenado pelo TJ-SP por tráfico de pessoas e teve de indenizar adolescentes que atuaram na base da agremiação.Na época, segundo investigações do promotor, o clube mantinha jovens atletas em condições de precariedade, sem acesso a médicos e dentistas e sem guardiões legais que pudessem atender casos de emergência.

Procuradora Cristiane Sbalqueiro Lopes defende a imposição indenizatória como punição a infratores
Procuradora Cristiane Sbalqueiro Lopes defende a imposição indenizatória como punição a infratores

 

Em seguida, a procuradora do Ministério Público do Trabalho no Paraná, Cristiane Sbalqueiro Lopes, especializada neste tipo de matéria, discursou sobre a atuação dos órgãos de defesa das crianças e adolescentes no trabalho desportivo. Ela acredita que é necessária a busca por punições que tenham um caráter repressivo mais forte em face de aliciadores e clubes que atuam de forma ilegal, de forma a encerrar em definitivo as irregularidades no segmento. “O tráfico de pessoas infelizmente é uma realidade, por que fechar os olhos para o problema? As ações civis públicas com pedidos indenizatórios são imprescindíveis nesse momento, pois têm o poder de ferir o órgão mais vital dos criminosos: o bolso”, observou a procuradora.

Encerrando o painel, o auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego e membro do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), Luiz Henrique Ramos Lopes, falou das ações governamentais de combate ao tráfico internacional de pessoas no esporte e como devem ser tratadas as vítimas dessa prática.  

Luiz Henrique Ramos Lopes apresentou programas de combate ao tráfico de pessoas
Luiz Henrique Ramos Lopes apresentou programas de combate ao tráfico de pessoas

No painel subsequente, que tratou das experiências internacionais de formação profissional, presidido pela juíza do trabalho Eliane Pedroso, o consultor jurídico desportivo do Santos Futebol Clube, Cristiano Caús, apresentou o sistema de formação de atletas do clube da Baixada, assim como o método de recrutamento de talentos e de assinatura de vínculos profissionais. Orgulhoso com o sucesso das categorias de base do clube nos últimos anos, que revelaram Diego, Robinho, Ganso e Neymar, o advogado ressaltou a importância da transparência nos contratos trabalhistas e do respeito com os jovens atletas.

O presidente do Departamento de Ação Social do argentino Boca Juniors, Enzo Pagani, apresentou a parceria entre o clube e a UNICEF, que promove a inclusão de crianças argentinas não só no futebol, mas também nas escolas. ‘’Uma instituição do tamanho do Boca Juniors deve assumir responsabilidades sociais, entre elas, incentivar os jovens atletas a estudar, desenvolver suas habilidades cognitivas, além de propiciar a essas crianças o acesso à informação e tecnologia'', disse.

Executivo do Boca Juniors quer replicar experiência de formação com a Unicef
Executivo do Boca Juniors quer replicar experiência de formação com a Unicef

Encerrando o painel, o manager Tim Jägeler, do tradicional clube alemão Wolfsburg, apresentou as novidades nas categorias de base da agremiação na produção de novos talentos.

Manager do Wofsburg apresenta programa de produção de talentos utilizado na Alemanha
Manager do Wofsburg apresenta programa de produção de talentos utilizado na Alemanha

Tabela com o Juca – o jornalista esportivo e sociólogo Juca Kfouri abriu a rodada de oficinas do período vespertino, com a “Tabelinha com o Juca”. Ele fez uma análise do futebol brasileiro no contexto da Copa, com ênfase no modelo de formação de atletas. Para ele, entidades como a CBF estão custando a ver a realidade desfavorável do esporte no Brasil, e criticou abertamente a posição da Confederação em relação às propostas de mudança na Lei Pelé, que permitiriam o vínculo de atletas menores de 14 anos a clubes, bem como a participação destes nas chamadas “peneiras”, agravando os problemas decorrentes da profissionalização precoce, afastamento da família, aliciamento e trabalho degradante, dentre outros. ‘’Mesmo com o humilhante e simbólico 7x1, clubes e CBF continuam achando que o Brasil é o rei da cocada preta quando o assunto é futebol, que ninguém entende mais de bola do que a gente. E o pior de tudo é que sempre apontam um bode expiatório, no caso a lei que segundo eles protege demais os jovens atletas’’, criticou.

Juca Kfouri criticou a postura da CBF em relação às mudanças propostas na Lei Pelé
Juca Kfouri criticou a postura da CBF em relação às mudanças propostas na Lei Pelé

Seguiram-se duas oficinas, realizadas simultaneamente perante um público mais reduzido, que abordaram os temas “Formação profissional desportiva: requisitos mínimos de proteção” e “Trabalho degradante e tráfico de pessoas no mundo desportivo: meios de enfrentamento”. Conduziram as discussões membros do MPT, da Justiça do Trabalho e do MTE.

Procurador Rafael de Araújo Gomes participa de oficina sobre trabalho degradante no esporte
Procurador Rafael de Araújo Gomes participa de oficina sobre trabalho degradante no esporte

Oficina que aborda os requisitos mínimos de proteção ao jovem atleta
Oficina que aborda os requisitos mínimos de proteção ao jovem atleta

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