Usina São Manoel deve medir calor para preservar saúde de cortadores de cana

MPT consegue na justiça que empresa adote medidas preventivas para evitar a sobrecarga térmica de cortadores de cana; multa por descumprimento é de R$ 1 mil por dia e por item

 

Por Camila Correia

Bauru – O juízo da Vara do Trabalho de Botucatu condenou a Usina Açucareira São Manoel S/A, associada à maior comercializadora de açúcar e etanol do país (Copersucar S.A), a adotar medidas para prevenir acidentes que decorrem da exposição de cortadores de cana ao calor. Os pedidos acolhidos foram formulados em ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho em Bauru. A justiça determinou que as obrigações devem ser implantadas no prazo de 90 dias, a contar da  sentença (proferida em 22 de setembro), sob pena de multa diária no valor de R$ 1 mil por item descumprido.

O procurador Rogério Rodrigues de Freitas instaurou inquérito contra a empresa em 2010, em razão de se apurar a adequação da empresa ao “Programa Nacional de Erradicação de Irregularidades no Setor Sucroalcooleiro”, elaborado pelo próprio MPT. Frente às irregularidades, o procurador chegou a propor a celebração de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta), na tentativa de solucionar a questão extrajudicialmente, mas não houve por parte da ré nenhuma resposta com relação à aceitação do Termo.

“Examinados os laudos, verifica-se que a conduta empresarial tem se pautado pela contradição e proposital omissão na adoção das medidas preventivas relacionadas ao calor e a contenção da fadiga dos cortadores de cana. A omissão da ré não é acidental ou decorrente de um lapso perdoável, tanto que recusaram qualquer composição sobre a matéria. Tal recusa, aliás, é intencional, pautada em critério econômico que objetiva manter baixo o custo da mão de obra de corte de cana, ainda que com o sacrifício da saúde e do bem estar dos trabalhadores”, lamenta Freitas.

Sentença - Em sua decisão, o juiz Carlos Roberto Ferraz de Oliveira Silva julgou parcialmente procedentes os pedidos do MPT e ainda ressaltou que, por causar risco à saúde e até à vida do trabalhador, o labor rural não pode ser enfrentado somente com o pagamento do adicional de insalubridade. Para o magistrado, uma vez identificado o risco por exposição ao calor e não sendo possível eliminá-lo, é dever do empregador efetuar controle rigoroso desse risco.

 “A obrigação do empregado na defesa do meio ambiente salubre tem seu fundamento não só no inciso VI da Constituição da República, mas também na Norma Regulamentadora nº31, que, dentre outras responsabilidades, obriga o empregador rural a identificar e, sucessivamente, eliminar, controlar ou reduzir ao mínimo os riscos decorrentes do trabalho”, defende o magistrado.

A sentença obriga a Usina São Manoel a monitorar durante toda a jornada de trabalho a exposição dos seus trabalhadores ao calor, determinando a suspensão imediata das atividades sempre que a temperatura atingir 35,9ºC, se medida com termômetro normal, ou se atingir o valor equivalente a 25 IBUTG*, se medida com o aparelho apto a demonstrar tal índice. Nessa situação, os trabalhadores devem permanecer à disposição da usina até o final da jornada ou até a diminuição da temperatura.

Além disso, a usina deve implementar pausas para descanso nos horários de maior concentração de calor e observar rigorosamente medidas como, realizar, com periodicidade quadrimestral, exame médico nos trabalhadores que se ativam na atividade de corte manual de cana-de-açúcar, para a detecção precoce dos distúrbios musculoesqueléticos e decorrentes de excesso de esforço no desempenho da atividade.

Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas.

Calor - Um estudo apresentado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) faz analogia do corte de cana com a maratona, sendo que ambas as atividades geram praticamente o mesmo nível de desgaste físico. A pesquisa apresenta números que dão a dimensão do enorme esforço realizado pelos cortadores durante a jornada de apenas um dia: eles desferem uma média de 3.792 golpes com o podão, realizam 3.394 flexões de coluna e levantam cerca de 11,5 toneladas de cana.

Além disso, literaturas e artigos técnicos afirmam que quando a necessidade de regulação da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exercício no calor, já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área entre a pele e os músculos, deixando as demais com pouca oxigenação. A consequência pode ser fatal: infartos e acidentes cardiovasculares podem acontecer durante a “maratona”. Além disso, sintomas de fadiga, como tontura e vômitos, e cãibras pela desidratação, podem ser comuns. No corte de cana, ao menos 21 mortes por exaustão já foram contabilizadas no interior paulista desde 2004.

Processo nº 0000741-40.2011.5.15.0025

 

*Para medir o IBUTG em ambiente externo com carga solar é necessário equipamento específico, que agrega fatores como a temperatura ambiente, a umidade relativa do ar e a taxa de metabolismo em função da atividade.

 

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