Governo do Estado de São Paulo e Município de Araraquara são condenados por fraude em programa de auxílio desemprego

MPT ganha ação e Justiça condena entes públicos ao pagamento de R$ 100 mil pela substituição de empregados próprios por “bolsistas” do “Programa Emergencial de Auxílio Desemprego”, conhecido como “frentes de trabalho”

Araraquara – A 2ª Vara do Trabalho de Araraquara atendeu aos pedidos do Ministério Público do Trabalho e condenou o Governo do Estado de São Paulo e o Município de Araraquara ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100 mil pela execução de fraudes no “Programa Emergencial de Auxílio Desemprego”, conhecido como “frentes de trabalho”.

A fraude consiste na contratação de mão de obra “desempregada” em substituição a empregados públicos. Segundo investigado pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, o Município de Araraquara, anos atrás, substituiu a maioria dos funcionários próprios (concursados) por trabalhadores terceirizados. Posteriormente, ao final de 2012, a prefeitura promoveu a rescisão da maioria dos contratos de terceirização, inclusive os de limpeza e conservação de logradouros. Uma das terceirizadas, a Gocil, chegou a responder a inquérito civil perante o MPT em razão da demissão em massa de 240 pessoas. Segundo a empresa, a prefeitura promoveu a rescisão unilateral dos contratos com prestadoras de serviços.   

Logo a seguir, o Município lançou mão do “Programa Emergencial de Auxílio Desemprego”, promovido pelo Governo do Estado de São Paulo, e com o aval do mesmo, para “recontratar” parte dos terceirizados demitidos, desta vez como “bolsistas” do programa, ganhando apenas ajuda de custo, num valor inferior ao salário mínimo – R$ 210, acrescido de auxílio-alimentação de R$ 86, para realizar a mesma atividade.  

“O que se observa, no caso em tela, é o aprofundamento de um processo de precarização do trabalho e da prestação do serviço público, que transformou Araraquara de uma cidade nacionalmente reconhecida, décadas atrás, pela limpeza de suas ruas e praças, a uma cidade onde o lixo se acumula nos mesmos logradouros e o mato cresce sem cuidado, fato notório que qualquer pessoa que circula pela cidade, hoje, poderá atestar, infelizmente. Percebe-se que além de assumir o ônus de deteriorar as condições de saúde da população, a prefeitura buscou a deterioração das condições de trabalho dos trabalhadores, substituindo terceirizados, cujas condições já são ruins, por “desempregados”, “bolsistas” privados de quaisquer direitos”, lamenta Gomes.

O “Programa Emergencial de Auxílio Desemprego” é disciplinado pela Lei Estadual nº 10.321/99 e pelo Decreto nº 44.034/99, e possui supostamente caráter assistencial e educativo, por meio da concessão de “bolsa auxílio-desemprego” a pessoas que se encontram desempregadas. Elas devem cumprir jornada de 6 horas por dia, 4 vezes na semana, acrescida a um dia dedicado a “qualificação ou alfabetização”. No seu artigo 5º, a Lei deixa claro que os entes públicos só podem utilizar o programa “se não promoverem a substituição de seus servidores ou empregados, nem rotatividade de mão de obra, em decorrência dos serviços prestados pelos trabalhadores desempregados participantes do referido programa”.

“Portanto, se caracteriza a ofensa ao artigo 5º, a deturpação do programa está evidenciada, o que implica no afastamento do caráter assistencial-administrativo, e consequente caracterização de vínculo de emprego”, observa o procurador.

Sentença – a sentença da juíza Fernanda Frare Ribeiro determina que os réus se abstenham de utilizar o “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego” para a contratação de mão de obra em substituição a empregados públicos ou aos próprios trabalhadores terceirizados, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). O Governo do Estado de São Paulo e o Município de Araraquara também devem pagar o equivalente a um salário mínimo para todos os trabalhadores contratados em 2013 pelo programa, descontadas as quantias já pagas a título de “bolsa”, e também devem efetuar o recolhimento de FGTS de acordo com o período contratual de cada trabalhador.

Por fim, os réus devem pagar indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil, reversível ao FAT. A magistrada confirmou na sentença os efeitos da tutela antecipada, ou seja, a decisão deve ser cumprida de forma imediata.

“Esta prática horrenda de completo desvirtuamento da legislação trabalhista, tem como objeto primordial a redução dos custos em detrimento do objetivo fundamental da ordem social brasileira, qual seja, a melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores (artigo 7º, caput, da CF/88). A exploração do trabalho humano realizada pelos próprios entes públicos, que através de falsos programas governamentais fomentam a desigualdade social, revela uma conduta inapropriada da administração pública, que estariam, em tese, submetidos à observância de princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, eficiência e realização de concurso público (artigo 37, da CF/88)”, escreveu a magistrada.

Ela concluiu: “A contratação irregular dos trabalhadores “bolsistas”, que antes eram empregados ou terceirizados, e tinham acesso aos direitos básicos trabalhistas, além de violar o acesso ao cargo público através de concurso público (artigo 37, inciso II, da CF/88), provoca um verdadeiro retrocesso social, e torna letra morta todos os direitos fundamentais de caráter social, contidos no artigo 7º, da Constituição. Viola, sobretudo, os princípios da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho previstos no artigo 1º da Constituição, princípios modeladores de toda a ordem social e econômica brasileira”.

A juíza determinou o envio dos autos ao Ministério Público do Estado de São Paulo para apurar possível prática de improbidade pelos entes públicos. Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas.

Processo nº 0000243-68.2014.5.15.0079

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