Justiça condena OS por fornecer mão de obra para terceirização ilegal da saúde pública

Cadesp não pode mais fornecer mão de obra para a terceirização ilícita da saúde pública em municípios e estados

 

 

Araraquara, 04/09/2014 – A 3ª Vara do Trabalho de Araraquara condenou o Centro de Apoio aos Desempregados do Estado de São Paulo (Cadesp) a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 300 mil por fornecer mão de obra para a terceirização ilícita da saúde pública, inclusive de um hospital público em Araraquara. A sentença também proíbe a organização social (OS) de fornecer mão de obra para atividades-fim de municípios e estados relacionadas à prestação de serviços públicos de saúde de caráter essencial e permanente à população em unidades públicas, sob pena de multa no valor R$ 10 mil por empregado contratado irregularmente por seu intermédio. A decisão é resultado do deferimento de uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho.

A ação, ajuizada pelo procurador do Trabalho Rafael de Araújo Gomes em novembro do ano passado, decorre de um inquérito civil que investigou as práticas fraudulentas adotadas pela Fundação Municipal Irene Siqueira Alves (Fungota, mantenedora da Maternidade Gota de Leite e vinculada à Prefeitura Municipal de Araraquara) na contratação de funcionários. Ao invés de cumprir TAC (Termo de Ajuste de Conduta) firmado perante o MPT, que previa a contratação apenas mediante aprovação em concurso público, a Fundação agiu às escondidas e terceirizou os postos de trabalho existentes no hospital público, contratando profissionais por meio da Cadesp para o funcionamento da maternidade, incluindo médicos, enfermeiros, auxiliares, técnicos, etc.

A juíza Monica Rodrigues Carvalho, autora da decisão, afirma não ter dúvidas quanto à conduta irregular da Cadesp. “Além de frustrar direitos individuais, causou prejuízos, inclusive morais, a toda a coletividade de trabalhadores, potenciais candidatos aos empregos públicos irregularmente preenchidos. Provada, ainda, a promiscuidade na atuação desses empregados perante entes públicos, com desrespeito a normas basilares trabalhistas e de proteção ao meio ambiente do trabalho”, ressalta.

Os valores de multa e indenização deverão ser revertidos em favor de projetos, iniciativas ou campanhas que beneficiem a coletividade de trabalhadores de quaisquer dos municípios envolvidos, a serem indicados em liquidação de sentença pelo MPT, ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas.

Fraude desvendada - A investigação realizada pelo Ministério Público, a partir de documentação do próprio Município de Araraquara, revelou inúmeras irregularidades, tais como ausência de justificativa para escolha da Cadesp, única OS convidada; ausência de demonstração de capacidade técnica ou perícia para realização dos trabalhos; ausência de justificativa para o preço apresentado (R$ 3 milhões); ausência de apresentação de certidão negativa de débitos trabalhistas; mudança, no meio do processo de contratação, da hipótese de dispensa para “casos de emergência ou calamidade pública”; inclusão de taxas ocultas no preço pago pelo poder público; ausência de prestação de contas quanto aos gastos, custos ou aplicação do dinheiro público; ausência de fiscalização de tais contas; prorrogação de convênio contrariando proibição da Lei de Licitações; ausência de registro dos empregados; ausência de recolhimentos ao FGTS.

“A conduta dos diretores da Cadesp em suprimir em larga escala o registro de empregados caracteriza crime previsto no Código Penal e deve ser investigada pela Polícia Federal. Quanto à omissão na aprovação dos candidatos, comparando-se a lista de funcionários contratados, sem registro, pela Cadesp e a relação dos candidatos classificados em edital da Fungota, percebe-se que vários dos trabalhadores que foram aprovados acabaram sendo chamados para trabalhar como terceirizados da Cadesp, mas sem ser respeitada a ordem de aprovação. A omissão também levanta suspeitas quanto ao regular recolhimento de contribuições, o que poderá caracterizar apropriação indébita, já que o preço que está sendo pago à Cadesp inclui encargos”, enfatiza Gomes.

A partir da lista de funcionários que a Cadesp apresentou ao MPT, que teriam sido por ela contratados para trabalhar na Gota de Leite, o procurador requisitou à Caixa Econômica Federal que confirmasse a existência de recolhimentos do FGTS em favor desses trabalhadores. No entanto, apenas em uma pequena parcela de funcionários verificou-se algum recolhimento da contribuição pela associação e sempre com atraso. “Isso significa que não apenas a CADESP embolsava indevidamente a quantia recebida do poder público correspondente a tais contribuições, como não exigia a Fungota qualquer prestação de contas do cumprimento de tal obrigação mínima, que costuma ser realizada por qualquer órgão público tomador de serviços terceirizados”, defende o procurador.

Favorecimento - Para Gomes, a terceirização aparentemente foi utilizada também como forma de permitir a contratação apenas das pessoas desejadas. “Ao invés da moralizante contratação dos mais aptos, escolhidos através de um processo público, preferiu-se, graças à conduta dos envolvidos, o clientelismo, o personalismo e a manutenção de “cabides de empregos”, enfim, a opção foi enfática pela imoralidade administrativa. A principal diferença da contratação mediante concurso é que essa não se presta a negócios obscuros e imorais, a desvios de recurso público, a fraudes, ao pagamento de propinas, à troca de favores, ao clientelismo, dentre outras”, defende.

Segundo os fundamentos da ação, o artigo 196 da Constituição Federal estabelece que a saúde é dever do Estado, expressão que engloba todos os entes federativos (União, Estados e Municípios). O artigo 18 da Lei n.º 8.080/90, por sua vez, diz que compete direta e precipuamente ao município promover a organização, controle, avaliação, gestão e execução das ações e serviços de saúde pública. Nessa linha de raciocínio, o Poder Público não pode terceirizar a execução de serviços permanentes ligados à saúde pública, como é o caso de unidades inteiras de pronto socorro, de saúde da família e maternidades, por se tratar de atividades inerentes ao fim para o qual foi concebido.

Outros municípios - Não é apenas em Araraquara que a OS tem realizado a intermediação ilícita de mão de obra em serviços públicos de saúde. Ao MPT, a Cadesp reconheceu a existência de contratos multimilionários com os municípios paulistas de Cananeia, Jacupiranga e Campos do Jordão. Mantém também contrato de “cogestão técnico administrativo do pronto socorro e plantões médicos” com o Município de Iguape e contrato para “gerenciamento dos programas e ações de saúde no município” de Iporanga. Chamou a atenção do MPT, também, o caso do município de Juquitiba, que celebrou “termo de parceria” não com a Cadesp, mas com o Instituto Brasileiro de Defesa da Natureza, que “quarteirizou” (subcontratou) à Cadesp o fornecimento de mão de obra ao Hospital e Maternidade Mogi D'Or e ao hospital e ambulatório municipal. Ou seja, a conduta ilegal da empresa se espalha por diversos municípios.

Fungota- Além da Cadesp, o MPT também ingressou com quatro ações contra a Fungota pelas ilegalidades apresentadas na Maternidade Gota de Leite. Em um dos processos, o MPT celebrou acordo judicial com a Fundação para a substituição dos terceirizados da Cadesp por servidores concursados. De acordo com a apuração realizada, até o momento a Fundação não deu cumprimento integral a tal acordo, o que poderá ensejar a incidência de multas. 

Processo nº 0001367-98.2013.5.15.0151

Imprimir