Empresa pública de Sorocaba é condenada por discriminar trabalhador de cabelos compridos

Agente de trânsito da URBES foi dispensado por justa causa porque se recusou a cortar o cabelo; segundo MPT, empresa cometeu “discriminação estética“

 

Sorocaba, 27/08/2014 - O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Sorocaba condenou a Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba (URBES) a excluir de seu Regulamento Interno qualquer regra ou imposição aos agentes de trânsito que os obrigue a adotar padrões estéticos no exercício de suas atividades. A sentença atende aos pedidos feitos em ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho, que processou a empresa pública após a demissão de um funcionário que se recusou a cortar os cabelos compridos e, por isso, foi demitido por justa causa. A prática ilegal foi enquadrada como um ato de “discriminação estética”. Pelos danos morais causados à coletividade, a URBES também foi condenada ao pagamento de R$ 50 mil, valor que será revertido “em prol da comunidade local”.

O procurador Gustavo Rizzo Ricardo recebeu denúncia, juntamente com cópia do “Regulamento Disciplinar de Agentes de Trânsito”, informando o cometimento da irregularidade trabalhista. Segundo investigado, um servidor de cabelos longos foi dispensado por justa causa, com base no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (justa causa), por ato de indisciplina e insubordinação. O MPT teve acesso à chamada “Ficha de Implementação”, utilizada pelo setor de recursos humanos da URBES para fazer referência às características particulares dos empregados, como por exemplo, cor da pele, cabelo e do uso ou não de barba e bigode.

Segundo o artigo 11 do “Regulamento Disciplinar de Agentes de Trânsito”, em seu inciso LI, ao agente é vedado “usar, quando em serviço, adornos, piercings e tatuagens que possam prejudicar a apresentação pessoal, bem como, o uso de brincos no caso de agentes do sexo masculino”. O inciso LIV do mesmo artigo afirma a proibição de “apresentar-se ao serviço uniformizado com costeleta, barbas ou cabelos crescidos, bigode ou unhas desproporcionais”. Mais à frente, no artigo 12, o regulamento elenca as obrigações do agente com relação à aparência; o inciso X obriga o agente a “manter a higiene pessoal e cuidados necessários quanto à maquiagem leve e bigodes aparados e barba feita no caso dos agentes masculinos”. A URBES utilizou-se deste artigo (12) para fundamentar a dispensa do servidor. A empresa manifestou-se da seguinte forma: “ocorre que, referido funcionário possuía cabelos longos, até próximo à cintura e se recusou a cortá-lo, de modo a descumprir o estabelecido no art. 12, 'X' da Resolução 009/2010”.

Para Rizzo Ricardo, a dispensa foi abusiva e atentatória à dignidade do trabalhador, desrespeitando princípio constitucional básico, de forma a configurar um ato de “discriminação estética”. “A conduta da empresa não pode afastar o dever de observância da necessária igualdade entre os seres humanos que participam da relação de trabalho, não pode afrontar a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, ao ponto de impor a uma das partes, no caso, o empregado, tratamento degradante que viola sua honra e sua autoimagem”, lamenta o procurador.

Com base na Constituição da República, que estabelece a igualdade entre as pessoas, independente de credo, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação, e com base em normas internacionais de direitos humanos, ratificadas pelo Brasil, que proíbem qualquer tipo de distinção, exclusão ou preferência no tratamento no emprego ou profissão (como a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho), o MPT ingressou com ação civil pública pedindo o fim da “discriminação estética” e também a condenação da URBES por danos morais coletivos.

Sentença – o juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Sorocaba, Walter Gonçalves, determinou a exclusão dos artigos 11, LI e LIV e do artigo 12, X, do Regulamento Interno da URBES. A empresa pública fica proibida de incluir referências discriminatórias nas fichas de implantação utilizadas pelo setor de recursos humanos e deve divulgar a sentença a todos os servidores, sob pena de multa diária de R$ 500 por item descumprido.

“Verifica-se que as vedações existentes nos Regulamento Interno não guardam relação com o regular desenvolvimento das funções de agente de trânsito, não possuindo embasamento legal para existirem. Essa prática discriminatória da ré em razão da estética viola o dever moral e jurídico de respeito e consideração ao próximo, caracterizando violação ao contrato de trabalho e às normas de tutela à personalidade, à dignidade, à intimidade, à vida privada e à integridade física e mental dos trabalhadores”, escreveu o magistrado em sua sentença.

No entendimento do juízo, a URBES causou “lesão aos interesses difusos dos trabalhadores”, o que justifica a indenização de R$ 50 mil da qual foi condenada.

Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas.

Processo nº 0000448-07.2014.5.15.0109 

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