Projeto “Resgate a infância” envolve diversos atores no combate ao trabalho infantil em Sumaré (SP)

MPT articulou visitas técnicas, reuniões, audiências e capacitações na cidade ao longo da semana, com a participação do poder público municipal, empresas, educadores, profissionais da rede de proteção à criança e ao adolescente, Judiciário e Ministério Público 

Campinas - Entre os dias 17 e 20 de fevereiro, o Ministério Público do Trabalho (MPT) se reuniu, em Sumaré (SP), com representantes do poder público municipal, empresas, educadores, profissionais da rede de proteção à criança e ao adolescente, Judiciário e Ministério Público, com o objetivo de executar no município o projeto “Resgate a Infância”, que consiste em uma série de ações de combate e prevenção do trabalho infantil, por meio da criação e/ou aperfeiçoamento de políticas públicas, fomento à aprendizagem e à educação.

Participaram das ações a gerente nacional do projeto, Candice Arósio, e os coordenadores regionais da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (COORDINFÂNCIA), Catarina von Zuben e Ronaldo Lira.

Na segunda-feira (17), em atendimento ao eixo de políticas públicas, os procuradores se reuniram com os juízes do Trabalho Décio Umberto Matoso Rodovalho e Karine Vaz de Melo Abreu, respectivamente o titular e a substituta da Vara do Trabalho de Sumaré, com o juiz da Vara da Infância e Juventude, Marcos Cunha Rodrigues, com a promotora de Justiça de Sumaré, Luciane Cristina Nogueira Lucas Lo Ré, com o presidente da Subseção da OAB Sumaré, Vanderlei Cesar Corniani, e com a coordenadora de Assistência Judiciária da OAB, Cristiane Togneri Serrano Sanguini, para expor as diretrizes do projeto, aproximar as instituições e buscar apoio interinstitucional para sua implementação no município.

Na terça-feira (18), os procuradores realizaram visitas técnicas às sedes do Conselho Tutelar, do Conselho Regional de Assistência Social (CRAS) e do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), oportunidades nas quais os membros do MPT se reuniram com representantes de todos os órgãos municipais da rede de proteção à criança e ao adolescente (incluindo CREAS e Serviços de Convivência). O objetivo foi levantar a realidade de cada órgão, sua estrutura, as políticas públicas vigentes no município e como a questão do trabalho infantil é tratada na cidade. No final do dia, o promotor Dênis Henrique Silva, da Promotoria de Valinhos (que atende a cidade de Sumaré) recebeu os procuradores para uma visita de aproximação.

Na quarta-feira (19) foi a vez de um encontro com o prefeito municipal de Sumaré, Luiz Alfredo Castro Ruzza Dalben, e com os secretários e servidores das pastas de Saúde, Educação, Inclusão Social e Obras, no Paço Municipal. Os representantes do poder público se mostraram abertos ao diálogo e muito interessados em desenvolver políticas públicas locais que contribuam para o combate ao trabalho infantil em Sumaré, de forma a desenvolver o município, assegurando cidadania e proteção às crianças e aos adolescentes da região.

“Esse é um projeto que abraçamos com muita atenção e carinho porque sensibiliza toda a comunidade sobre o trabalho infantil, que pode trazer malefícios privando as crianças da infância, causando evasão escolar e até prejuízos físicos, sociais e emocionais. A compreensão dos diversos setores da sociedade sobre esse assunto colabora na multiplicação das informações e na formação dos nossos jovens cidadãos”, comentou o prefeito Luiz Dalben.

Aprendizagem – Na tarde do dia 19, o MPT reuniu mais de 400 empresas que operam em Sumaré no Anfiteatro Dirce Dalben para falar sobre a obrigatoriedade do cumprimento de cota para contratação de jovens aprendizes, prevista na lei nº 10.097/00, conhecida como Lei da Aprendizagem. Segundo a legislação, todas as empresas de médio e grande porte devem contratar adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos no importe de 5% a 15% do total de seus empregados cujas funções demandem formação profissional. O público prioritário da cota são os adolescentes de 14 a 17 anos. Para ser considerado aprendiz, o jovem deve ter concluído ou estar cursando o ensino fundamental e deve ter vínculo com organização que ofereça Programa de Aprendizagem. Ao longo de sua experiência de aprendizagem, ele deve ter jornada compatível com os estudos, receber ao menos um salário mínimo/hora, ter registro em carteira de trabalho e ser acompanhado por um supervisor da área.  

Para a procuradora Candice Arósio, na aprendizagem todos ganham: os adolescentes, as empresas e a sociedade, na medida em que se forma mão de obra especializada, confere oportunidades de empregabilidade no futuro e combate o trabalho infantil, entre outros benefícios que o programa traz para os jovens, como a proteção de direitos, a regularização de questões trabalhistas e de contratação e a saída do mercado informal. Quando o jovem atua em programa dentro da faixa etária permitida, a empresa obtém ganhos também, participando da formação e da profissionalização de um adolescente para exercer uma atividade e um cargo dentro daquilo que a empresa precisa, além de cumprir a lei. “A aprendizagem não é só uma obrigação legal, e sim um benefício aos negócios, aos jovens aprendizes e para a formação da sociedade. Sempre ouço dizer que as pessoas não são contratadas nas empresas pois elas não atendem à qualificação exigida pelo contratante. Ora, o Programa Jovem Aprendiz é a oportunidade que as empresas têm de formar o jovem desde o princípio. O curso de aprendizagem possibilita isso. O empregador alcança uma pessoa que iniciará uma experiência no mundo do trabalho, e tem a oportunidade de qualificá-lo de acordo com a normativa da empresa, formando-o para atender exatamente as suas necessidades”, afirmou a procuradora Candice Arósio.

 

Segundo dados do Observatório de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, mantido pelo Ministério Público do Trabalho e pela Organização Internacional do Trabalho, no ano de 2017 (mais recente medição) existiam 643 jovens aprendizes contratados pelas empresas da cidade de Sumaré. Contudo, de acordo com informações da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia, com base nos sistemas RAIS e CAGED (medidos até 2019), há um potencial no município de 1,5 mil cotas para a contratação de aprendizes.

A auditora fiscal da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério da Economia, Camilla de Vilhena Bemergui, esclareceu aos empregadores pontos importantes da legislação voltada à aprendizagem, incluindo as especificidades do contrato de trabalho e como agir nos casos em que as empresas têm dificuldade em contratar pessoas menores de 18 anos, uma vez que sua atividade econômica é perigosa ou insalubre. “Uma oportunidade é a contratação de aprendizes na faixa etária entre 18 e 24 anos de idade, o que é permitido pela legislação. Existem programas, inclusive, que oferecem a aprendizagem prática direcionada a esse grupo etário na própria escola, o que gera um número maior de candidatos capacitados nessas funções. A outra possibilidade é a inclusão de adolescentes em situação de vulnerabilidade social, em acolhimento institucional ou em cumprimento de medida socioeducativa, vinculados a uma entidade formadora e que podem prestar serviços em órgãos públicos conveniados”, disse a auditora.

 

No final da audiência, as entidades SENAI, SENAC, SENAR, SENAT, CIEE e Instituto de Promoção do Menor de Sumaré (IPMS) expuseram os seus programas voltados à formação de jovens aprendizes e se colocaram à disposição das empresas da cidade. A adolescente Cristina Galvão Ferreira Soares, de 15 anos, que atua como aprendiz em um estabelecimento de Sumaré, deu um depoimento falando sobre os benefícios da aprendizagem para sua vida profissional e também para a empresa para a qual presta serviços.

Educação – Na manhã do dia 20 de fevereiro, o MPT realizou uma oficina de formação de educadores da rede pública municipal de ensino e de integrantes da rede de proteção à infância e adolescência, com o objetivo de capacitar, qualificar e sensibilizar sobre a temática trabalho infantil. O evento também foi realizado no Anfiteatro Dirce Dalben. Os educadores capacitados levarão o assunto para a sala de aula, dentro do projeto intitulado “MPT na Escola”, promovendo o debate entre alunos do 4º ao 7º ano do ensino fundamental. O MPT na Escola fomenta a produção de trabalhos artísticos e culturais desenvolvidos pelos próprios participantes, com premiações aos melhores trabalhos.

“A intenção é capacitar os profissionais da rede para levar para as escolas o tema trabalho infantil. Uma vez capacitados, esses profissionais conseguem de uma maneira mais fácil identificar um adolescente ligado a um possível caso de trabalho infantil através das evidências, como por exemplo, a constatação de que ele está sempre cansado ou dormindo em sala de aula, ou que ele contraiu alguma lesão, ou porque esse jovem se evadiu do ambiente escolar”, observou o procurador Ronaldo Lira.

Em sua exposição, o procurador resgatou a história do trabalho de crianças a partir da Revolução Industrial até os dias atuais, permeando sua fala com exemplos de casos reais, como aquele em que um jovem do Vale do Ribeira perdeu o globo ocular trabalhando na confecção de caixas de tomate. A palestra conceituou a prática ilegal, apontou as piores formas de trabalho infantil, o combate aos mitos envolvendo o trabalho proibido de crianças e adolescentes, e deu especial atenção aos casos notificados de acidentes de trabalho envolvendo meninos e meninas, inclusive com amputação de membros e mortes fatais. “O trabalho infantil gera forte evasão escolar, traz prejuízos sociais, físicos e psicológicos que muitas vezes são irreversíveis”, apontou o procurador.

A procuradora Candice Arósio reforçou ao público a questão conceitual do trabalho infantil, que leva a um ciclo de perpetuação da pobreza, explicou como os educadores podem contribuir na prática com a conscientização e com a identificação de casos, além de mostrar o material didático oferecido às escolas pelo MPT. “Nós devemos combater os mitos enraizados na nossa sociedade de que é melhor a criança ou o adolescente trabalhar do que roubar e usar drogas. De que é melhor a criança trabalhar do que ser bandido ou aquela velha frase: “trabalhei desde os meus oito anos de idade e não morri”. Essas frases são os mitos que escutamos rotineiramente, mas não existem apenas essas situações de escolha ou uma única escolha entre o trabalho ou a morte. Nós precisamos desmistificar que resolveremos um problema com outro problema”, concluiu.

 

Um representante do CREAS do município encerrou o evento mostrando aos educadores e assistentes sociais presentes no auditório um fluxograma criado para o atendimento às vítimas de trabalho infantil e suas famílias, a partir da identificação dos casos. A iniciativa é recente no município, e envolveu o trabalho de dezenas de agentes públicos municipais de diversas áreas de atuação do município, incluindo Educação, Assistência Social, Saúde e outros setores da prefeitura.

 

 

 

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